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Durante séculos, os europeus e americanos, do Norte e do Sul, arrancaram africanos de suas vilas e famílias, transportando-os forçadamente em navios negreiros para escravizá-los. Graças a investimentos na educação, ciência e tecnologia, os europeus conseguiram realizar o imenso sucesso da civilização industrial. O sucesso da Europa e a estagnação da África criaram um novo tipo de navio negreiro, transportando africanos empurrados pela fome. Mudaram o mar, a direção dos barcos, o tipo de algemas, mas não mudou a ética.

Quando o continente europeu sofreu escassez, as Américas receberam dezenas de milhões de pobres europeus. Agora, a Europa constrói um “muro” para impedir a entrada de africanos esfomeados. Em algumas semanas, morreram mais africanos na “Cortina de Ouro” do Mediterrâneo do que durante todo o tempo da Cortina de Ferro que separava Europa Ocidental e Europa Oriental.

Não adiantará a construção de uma “Cortina de Ouro” separando pobres e ricos

Os livros O erro do sucesso – a civilização desorientada e a busca de um novo humanismo, de 2014; O que é apartação, de 1993; e A Cortina de Ouro, de 1994, propõem que as grandes crises do mundo de hoje – desigualdade, migração, ecologia, terrorismo – decorrem do sucesso da civilização industrial que se protege deles construindo muros. A tragédia no Mediterrâneo é o mais visível desses “erros do sucesso” e da “Cortina de Ouro” para implantar a “apartação global”.

Não fosse a riqueza europeia, os africanos não se apinhariam em frágeis barcos, sujeitos à morte, fugindo da pobreza. Isso não seria necessário se a riqueza criada ao longo dos últimos séculos tivesse se distribuído por todo o planeta; a crise ecológica não ocorreria se o avanço técnico tivesse criado uma economia harmônica com a natureza; o terrorismo quase não existiria se o sucesso europeu respeitasse as diferenças culturais.

“Erro do sucesso”, “Cortina de Ouro” e “apartação global” decorrem do fato de que o magnífico avanço técnico não esteve sujeito à orientação ética. Faltam óculos capazes de mostrar a estupidez e a injustiça do modelo seguido pelo progresso da civilização industrial. Oskar Schindler percebeu a imoralidade da perseguição de judeus e os contratou em sua fábrica, para salvá-los do Holocausto. A Europa se nega a dar emprego aos africanos ou a investir em educação e empregos na África. Prefere barrá-los no outro lado do Mediterrâneo ou deixar que morram afogados na travessia. Seus dirigentes reúnem-se para descobrir como barrar os africanos, como devolvê-los à asfixiada África.

Não adiantará a construção de uma “Cortina de Ouro” separando pobres e ricos; os pobres migrarão de qualquer forma: morrerão no caminho, desmoralizando a moral cristã dos ricos, ou inundarão a Europa, comprometendo o modelo europeu.

A saída é uma mudança de ótica que leve a uma nova ética, óculos de Schindler para reorientar o progresso global, distribuindo seus benefícios com a África, como os Estados Unidos fizeram para reconstruir a Europa depois da Segunda Guerra.

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB, é senador pelo PDT-DF.
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