Primeiro foi Michel Temer, com seu “alguém precisa unificar este país”. Depois, o empresário Abilio Diniz sugeriu preencher o sujeito oculto com três nomes, os de FHC, Lula e o próprio Temer, que seriam “trancados numa sala para encontrar a solução”. Na sequência, o sociólogo André Singer, porta-voz de Lula no primeiro mandato, propôs uma correção no esquema de Diniz, opinando que o chamado à reunião salvadora deve partir de Dilma Rousseff – e que a presidente precisa estar na sala lacrada. Finalmente, segundo informa a jornalista Dora Kramer, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, um conselheiro do círculo direto de Dilma, peregrinou até o Instituto Fernando Henrique Cardoso para solicitar, sem sucesso, uma audiência não agendada com o ex-presidente. Paira no ar a palavra “pacto”.
A Alemanha tem algo a ensinar, quando se trata de pacto. Perante o Bundestag (Parlamento), em março de 2003, o chanceler social-democrata Gerhard Schröder expôs sua Agenda 2010, um plano de reformas nas relações de trabalho e no sistema previdenciário. O país concluíra o penoso processo de incorporação da antiga Alemanha Oriental, liderava a União Europeia no lançamento do euro e enfrentava as novas condições de concorrência global geradas pela ascensão chinesa. As reformas destinavam-se a alavancar a produtividade, que estagnara, de modo a reativar a capacidade exportadora da indústria alemã.
O PT não enxerga os outros grandes partidos como rivais políticos e competidores eleitorais, mas como “inimigos do povo”.
Schröder obteve apoio da Democracia Cristã, o principal partido oposicionista, do empresariado e de líderes cívicos e religiosos. Enfrentou batalhas com os sindicatos, mas, em 2004, conseguiu o suporte decisivo dos dirigentes da maior central sindical. O pacto alemão implicou cortes significativos nos salários reais e no welfare state. Em compensação, propiciou a retomada do crescimento e, mais adiante, conferiu à Alemanha a musculatura indispensável para resistir à crise geral da zona do euro.
Bem antes, a Espanha fizera uma experiência de sucesso no terreno perigoso do pacto nacional. O Pacto de Moncloa, de agosto de 1977, funcionou como ponte pela qual o país transitou do franquismo à democracia e, no fim do arco-íris, ingressou na Comunidade Europeia. Menos de dois anos após a morte do ditador Francisco Franco, a Espanha ingressava no quinto ano de uma recessão marcada por fortes desequilíbrios nas contas externas, inflação crescente e altas taxas de desemprego. Por iniciativa do presidente de governo de centro-direita Adolfo Suárez, uma comissão pluripartidária redigiu os textos dos acordos, que foram aprovados no Parlamento.
Nos acordos econômicos, definiu-se uma política de austeridade fiscal e de contenção salarial. Nos políticos, garantiu-se o direito de associação, a reforma do Código Penal e a reorganização da polícia. O Palácio da Moncloa, sede do governo, serviu de palco para a conclusão do pacto, assinado pelos líderes de todos os grandes partidos: o social-democrata Felipe González, o eurocomunista Santiago Carrillo e o ex-franquista Manuel Fraga, do Partido Popular, que apenas não subscreveu o capítulo de reforma política.
O Brasil carece da condição prévia que permitiu os pactos alemão e espanhol: a crença compartilhada na legitimidade dos partidos políticos. Os dois grandes partidos alemães aprenderam a lição da parceria no jogo democrático durante a Guerra Fria, quando conviveram na trincheira de resistência à URSS e à Alemanha Oriental. Na Espanha, apesar da memória indelével da Guerra Civil, os principais partidos tinham um objetivo comum, que era a democratização e o acesso à Comunidade Europeia. Por aqui, em contraste, o PT não enxerga os outros grandes partidos como rivais políticos e competidores eleitorais, mas como “inimigos do povo”.
A linguagem lulopetista liga-se à tradição da esquerda nacionalista latino-americana, que usa o conceito de imperialismo para exibir os demais partidos como representações internas de um “inimigo externo”. Do ponto de vista do PT, o PSDB está devotado a vender o “patrimônio nacional” às empresas estrangeiras. Os clássicos discursos petistas sobre a Petrobras e, meses atrás, as acusações eleitorais de Dilma contra Aécio Neves e Marina Silva evidenciam a impossibilidade de um pacto legítimo.
Um pacto distingue-se de um conchavo porque se articula em torno de uma nítida, detalhada plataforma política e econômica. No Brasil, o lulopetismo impede a formulação de consensos básicos como os que sustentaram a Agenda 2010 e o Pacto de Moncloa. Nosso pacto nacional teria de associar a consolidação fiscal a reformas estruturais destinadas a incrementar a produtividade. O pensamento econômico do PT, porém, continua hipnotizado pela combinação fracassada de estatismo e expansão fiscal do primeiro mandato de Dilma – e qualifica qualquer alternativa como uma maléfica conspiração “neoliberal”. Além disso, um pacto só teria sentido se atendesse à exigência cidadã de libertar a administração pública da colonização político-partidária, algo impensável tanto para o PT quanto para um relevante setor do PMDB.
As vozes petistas que, de repente, descobriram as virtudes do “pacto” buscam apenas uma saída tática para o desastre histórico do lulopetismo. O Brasil precisa, realmente, de um pacto nacional, cujos contornos esboçam-se em meio à crise atual. Mas, infelizmente, ao contrário dos precedentes alemão e espanhol, ele não será conduzido pelo governo e excluirá a participação de um dos grandes partidos, que é o PT. Nosso pacto é para o pós-Dilma, seja isso daqui a poucos meses ou apenas em 2018.
Há pouco, FHC escreveu sobre a necessidade da formação de “um novo bloco de poder que tenha força suficiente para reconstruir o Estado brasileiro”. Nessa fórmula, encontra-se o reconhecimento de que a chave do futuro não é propriedade do PSDB e nem mesmo de uma coalizão partidária. Pacto, dito de outro modo.