• Carregando...

Ao salvar Renan da cassação, o governo apenas cuidou de salvar a própria pele. Ou, como dizem analistas chegados à lógica palaciana, o governo pretendia "garantir a governabilidade". Por governabilidade entenda-se o que se quiser, o mais provável é que o governo precisava dar um basta à pressão da sociedade manifestada através da mídia.

O raciocínio é simples: de nada adianta cooptar uma sólida maioria parlamentar se ela é incapaz de resistir à pressão da imprensa. Renan, para o governo, é um acidente de percurso, o esforço para evitar a sua cassação não decorreu de um sentimento de solidariedade – essa palavra não existe no universo vocabular da real-politik.

O rigoroso esquema posto em funcionamento imediatamente antes e durante o julgamento serviu para salvar Renan, mas serviu, sobretudo, como exercício de prevenção, ensaio de salvamento para casos mais graves. Renan inocente ou culpado era questão marginal, o importante era evitar a repetição do ocorrido com o mensalão quando a visibilidade das sessões no STF converteu-se em fator decisivo para levar os denunciados ao banco dos réus.

Para impedir que a mesma transparência contaminasse o Senado não bastariam os recursos discutíveis da sessão fechada e do voto secreto. Era preciso ir adiante: blindar a Câmara Alta, convertê-la num bunker inviolável onde seria possível produzir um black-out institucional capaz de acobertar o vale-tudo.

A varredura eletrônica na véspera da votação, a interdição ao uso de computadores (hoje equipados com câmeras e gravadores), a rigorosa recomendação para que os senadores desligassem seus celulares, o corte no sistema de som do plenário e até a supressão do registro taquigráfico para servir à ata não foram procedimentos casuais ou rotineiros. Seguiram uma linha precisa, altamente profissionalizada.

Quando José Sarney era um dos braços civis do regime militar descartaria a exibição deste arsenal obscurantista. Agora, descuida-se com as aparências. A degola de seu protegido, Renan Calheiros, o deixará isolado (junto com a filha, Roseana) na condição de remanescente do coronelismo senatorial.

O lapso institucional que envolveu a absolvição do presidente do Senado – inédito apagão na vida republicana – destinou-se a envolver os senadores num clima furtivo, extremamente conveniente para seus parceiros envergonhados, mas ostensivamente na contramão da limpidez do sistema democrático. A dissimulação de uma dezena de parlamentares ao antecipar um voto nas enquetes jornalísticas e acionar o painel eletrônico em direção contrária, desvenda a atração do arbítrio pela mentira.

Para agir com desenvoltura em favor de seus interesses, tanto o governo como a base governista concluíram que é imperioso manter a mídia à distância. Como é impossível controlar a divulgação dos fatos, instalaram um sistema para impedir que os fatos sejam conhecidos.

O resultado do primeiro julgamento de Renan Calheiros, neste momento, tornou-se secundário. Ao contrário do sugerido pelo presidente Lula, este placar não deve ser acatado, deve ser corrigido pelos outros processos em curso no âmbito da Comissão de Ética, na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal Federal.

O que preocupa neste momento é a consagração e a universalização do manual intimidador adotado pela Mesa do Senado na última terça e quarta-feira. Flagrado pela imprensa, Renan Calheiros está persuadido de que a sua sobrevivência só será possível em ambientes controlados, rarefeitos de informação. Se for bem sucedido, criará um estilo. Oportunidades não faltarão.

Alberto Dines é jornalista.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]