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 | Foto: Fred Loureiro/
 Secom ES
| Foto: Foto: Fred Loureiro/ Secom ES

“É o momento de começar a tomar as primeiras medidas para proteger de forma eficaz o planeta e seus recursos antes que seja demasiado tarde ou os danos sejam irreversível.”

Essa frase foi utilizada pelo relator da sentença da Corte Constitucional da Colômbia que reconheceu judicialmente ao Rio Atrato como um sujeito de direitos. Este Rio e suas comunidades ribeirinhas foram compostos como uma única entidade, unindo a diversidade biológica e a cultural (natureza e homem) como um único Ser. Mas o que significa um Rio ser reconhecido como um sujeito de direitos?

Pode parecer estranho a juristas, a advogados ou à sociedade ver um Rio como parte num processo, sendo declarado uma pessoa com voz e autonomia. Ganhar o direito de existir por ele mesmo e reivindicar que sua vida seja cultivada e preservada, não como um recurso natural, mas pelo seu direito de existir por si próprio, direito de manter e cultivar seus ciclos naturais, como você e eu.

Isso ocorreu pela primeira vez no Equador em março de 2011

Trata-se de um jeito de ver e se relacionar com ele. Para os povos originários, os adoradores da natureza ou qualquer pessoa que se abra a senti-la, é comum tratarem aspectos do meio ambiente como uma extensão de si próprios.

Em uma explanação do advogado da Associação Pachamama, Lafayette Garcia Novaes Sobrinho, na audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados de Minas Gerais, quando se completaram dois anos do crime em Mariana, nos contou que nossos valores culturais giram pela participação social (uma palavra originária de “parte”). A cultura somente respeita algo quando este é um sujeito, ou seja, quando se torna par ou parte. Nossa natureza respeita o princípio da complementariedade.

Isso também abre uma possibilidade nova de interpretação de como nos relacionamos com a vida. Parece algo lógico, mas o espelho disso é a emergência global pela qual está passando o planeta , que cultiva valores individuais acima do coletivo e vê a natureza somente como um recurso, passível de apropriação.

A decisão judicial da Colômbia fala da simbiose entre os rios, as pessoas e os demais seres que ali habitam. Fala também dos Direitos da Terra, ou Pachamama (“Mãe Terra” em quéchua, usando a terminologia da Constituição do Equador e dos povos andinos).

Nesse sentido, no dia cinco de novembro de 2017, quando completou dois anos o crime de Mariana – quando rompeu a barreira de Samarco, que despejou os rejeitos da atividade de mineração na Bacia do Rio Doce e provocou a maior tragédia socioambiental do Brasil –, a Associação Pachamama, unida a ativistas, movimentos, artistas e juristas, protocolou uma ação judicial, inédita no país, na qual o próprio Rio Doce reivindica seu reconhecimento. Um rio bate às portas da Justiça brasileira em seu próprio nome.

Isso ocorreu pela primeira vez no mundo no Equador em março de 2011. A Bolívia, em 2011, proclamou a Lei dos Direitos da Mãe Terra, que deu origem mobilizações em defesa dos direitos de Pachamama ou da Natureza, em todo mundo. Na Nova Zelândia, uma lei atribui ao rio Wahganhui direitos, como se ele fosse uma pessoa jurídica. Na Índia, a sociedade está mobilizada em favor dos direitos dos rios Ganges e Yumana, os maiores de lá.

O assunto está em debate nos tribunais e universidades, no país e exterior. No México, há uma declaração dos direitos dos rios, aprovada pela sociedade, e, nas Nações Unidas, há um programa chamado “Harmonia com a Natureza”, com diálogos entre especialistas e atividades em todo o mundo em defesa dos direitos da Mãe Terra. A Associação Pachamama se inspirou nessas decisões judiciais anteriores e nesses diálogos para entrar juntamente com o Rio Doce em defesa dos direitos do rio.

O Direito deve ser vida, deve cumprir seu papel de provocar diálogos e debates para provocar novas visões, mudar linguagens. Nós precisamos mudar, o planeta está em crise ecológica, social e humana, as relações atuais estão carentes e injustas. Olhar a existência de um rio e nele sentir-se parte pode ser um jeito de abrir uma compreensão, não só jurídica, mas também emocional como resposta à emergência global.

Ver o Rio Doce como um sujeito de direitos é sentir seu mar de lama e a dor dos atingidos, é trazer a consciência de que a Terra é um ser vivo e – por que não? – uma Mãe, Pachamama, como ela é celebrada por muitos povos em todo mundo, provedora e nutridora de vida. A partir dela tudo brota e se origina. Despertar uma relação de amor e carinho com o meio ambiente acorda a consciência quanto à nossa natureza coletiva não regida pelo mercado, guiada pelo amor à vida e pela nossa responsabilidade de solucionar os problemas que por nós mesmos foram gerados.

Somos todos rios. Somos todos Pachamama!

Graziella Beck (Astreia, nome ativista) é diretora da Associação Pachamama
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