Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
opinião do dia 1

Os riscos da diplomacia nuclear

No rescaldo do triunfalismo eufórico acerca do acordo que o presidente Lula conseguiu extrair dos iranianos há poucos dias, celebrado de forma apressada como vitória do diálogo e consagração do Brasil como agente político internacional, resta lembrar o ensinamento standard do Conselheiro Acácio: as consequências sempre vêm depois. Mesmo antes que elas cheguem, já é, entanto, possível entender certos fatos inelutáveis do realismo que caracteriza o cenário internacional.

Fato raro da história contemporânea, o Conselho de Segurança das Nações Unidas encontra consenso entre seus membros permanentes, propenso a não tolerar proliferação horizontal de armas nucleares. Vale dizer, impedir que países não detentores de bomba atômica passem a contar com ela. E em maior medida, parece, no caso do Irã, com todas as peculiaridades da democracia dos aiatolás e de seus credos belicistas.

O Brasil necessita agora, sob os holofotes do papel que conquistou, buscar fórmulas aptas a construir consenso entre ambições nucleares iranianas, que obviamente contemplam emprego de armas, e a intransigência da comunidade internacional em não permitir isso. Em análise minimamente não ingênua é impossível abstrair que o pano de fundo de todo o cenário que se delineia é a questão da segurança do Estado de Israel, que não abdicará do uso da força para neutralizar plantas nucleares passíveis de ameaçar sua sobrevivência. Nem abstrair o surpreendente adesismo soviético às sanções propostas contra o Irã, que se justifica pelo inédito avanço de negociações com o governo de Barack Obama acerca do desarmamento bilateral. Ademais, nem chineses, com interesses cada dia maiores nos Estados Unidos, nem a França, ou muito menos a Inglaterra, e seu pragmatismo pontual, deixarão de apoiar pressões pesadas contra Teerã, desde que timbradas de Conselho de Segurança da ONU.

Por conta disso, e pelas responsabilidades livremente assumidas por nossa irrequieta diplomacia presidencial, é que causa perplexidade a retirada da embaixadora brasileira da reunião do mesmo Conselho de Segurança que, de forma eloquente, em seguida ao acordo, retomou a agenda de possíveis sanções. Se o diálogo é a arma do presidente Lula, não há como entender a contundência de tal atitude, de resto distante de nossa tradição diplomática, e mesmo em contraste com pretensões brasileiras nas Nações Unidas.

A considerar que a leitura do impasse pela ótica de Brasília indica que seriam negociações que evitariam sanções e tudo estaria resolvido, parece não ser esse o entendimento do consenso dos poderosos, para quem sanções configuram a única opção à tomada de medidas militares. Como as coisas estão, é importante que o Brasil saiba posicionar-se de forma não sectária, a merecer uníssonos elogios que tem recebido por sua atitude construtiva na promessa iraniana de não confrontar a sociedade internacional. Se equidistante, o Brasil demonstrará que não entrou como inocente inútil de trama de inexorável final infeliz. E que, ao contrário de vozes nefastas de Washington, não está apenas sendo utilizado pelo regime iraniano para permitir compra de tempo rumo ao alvo conhecido. A prevalecer tal entendimento, ao contrário das boas intenções da Presidência brasileira, apenas estaríamos a contribuir para que a pressão internacional aumentasse e para que Ahma­­dinejad estivesse cada vez mais contra a parede.

Aparentemente neutralizada com o fim da Guerra Fria, a diplomacia nuclear volta contundente à voga, com a finalidade crucial de prevenir novas utilizações de armas nucleares. Seu fracasso pode significar o colapso absoluto do sistema internacional, diante do qual questões como tutela dos direitos humanos, aquecimento glo­­bal ou preservação do meio ambiente se tornam totalmente desnecessárias. Resta esperar os desdobramentos das desacreditadas promessas do regime iraniano para que fiquem claros os papéis representados pelos velhos e pelos novos atores. Consequências que escapam ao simples querer do Brasil e de suas boas intenções.

Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é membro consultor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.