| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Recentemente, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que as mulheres deveriam ter direito à licença-maternidade pelo período de um ano. Diante da polêmica gerada, ela precisou publicar em seu Twitter uma retratação: “Calma, empresários. Este é apenas um desejo. Sabemos que a realidade brasileira é bem diferente, mas não custa sonhar. Este governo trabalha para criar o ambiente que favoreça a implementação desse tipo de medida favorável à família, sem pressionar e inviabilizar negócios”.

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A sugestão é um grande retrocesso, uma vez que estamos vivendo no Brasil a era da igualdade de gêneros, em que as mulheres estão lutando diariamente para conquistarem o seu tão sonhado espaço no concorrido mercado de trabalho: não somos mais vistas como submissas, mas a sociedade brasileira não conseguiu acompanhar o mesmo progresso. É notório que o mercado de trabalho tem grande preconceito em relação às mulheres que vivenciam a maternidade e, agora, as proteções legais femininas já não existem como antes.

De acordo com pesquisa recente elaborada pelo Great Place to Work, citando as 150 melhores empresas para se trabalhar, a grande maioria dos funcionários que trabalham nas empresas listadas é do público masculino. Um dado preocupante é o de que, das 20 melhores empresas no ranking da pesquisa, apenas seis empregam mais mulheres do que homens, e apenas uma tem mais mulheres em cargos de diretoria.

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Apesar de o público feminino ter conseguido grandes conquistas de direitos na legislação brasileira, ainda sofre bastante preconceito quando se trata de mercado de trabalho

O ingresso da mulher no mercado de trabalho é uma conquista bastante recente. Somente a partir de 1932 foi regulamentado o trabalho da mulher nos estabelecimentos comerciais, e a Constituição de 1934 proibiu qualquer forma de discriminação ao trabalho feminino; no entanto, ainda era necessária uma autorização do marido ou genitor para que a mulher pudesse exercer uma atividade, e eles podiam até requerer a rescisão do contrato de trabalho da esposa ou filha.

Foi com o advento da Constituição de 1988 que a mulher passou a ter direitos e obrigações iguais aos dos homens. Conforme disposto no artigo 5.º, I, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Logo, não pode haver diferenciação entre as funções do marido e da mulher em uma família, sendo ambos responsáveis por todas as decisões familiares, englobando as finanças, criação, educação e subsistência dos filhos.

O Código Civil de 2002 expressou essa mudança trazida pela Carta de 1988, surgindo num ambiente mais igualitário, em que a mulher não é mais considerada vulnerável. Não há mais o papel de submissão em relação ao homem; finalmente foi rompido o modelo da família patriarcal, em que o homem era o chefe da família, surgindo a “família democrática”, em que há distribuição de igualdade de direitos para todos os seus membros. Este é o modelo que vigora nos dias atuais.

Apesar da boa intenção de Damares em querer proporcionar mais tempo da mãe com o filho no seu primeiro ano de vida, a ministra não se atentou a todo o panorama jurídico atual. Na era da família democrática, prevalece a igualdade de gêneros. Assim, é absolutamente plausível que os pais também tenham o mesmo privilégio que as mulheres em estabelecer laços afetivos com seus filhos no primeiro ano de vida, sendo fundamental a presença paterna para o desenvolvimento infantil. Damares até propôs aumentar também o período da licença-paternidade, mas por um prazo bem inferior a um ano.

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Na atual legislação brasileira, a licença-maternidade é de 120 dias no setor privado e de 180 caso a mulher trabalhe no setor público. Por sua vez, a licença-paternidade é, respectivamente, de 5 ou 20 dias. Se a empresa empregadora integra o Programa Empresa Cidadã, instituído pela Lei 11.770/08, a licença-maternidade será prorrogada por mais 60 dias e a licença-paternidade, por mais 15 dias, sendo a remuneração, nesse período, integral.

O ideal para o Brasil seria igualar os períodos de licença entre homens e mulheres, tendo em vista a observância do princípio constitucional da igualdade de gêneros que norteia a legislação pátria.

Apesar de o público feminino ter conseguido grandes conquistas de direitos na legislação brasileira, ainda sofre bastante preconceito quando se trata de mercado de trabalho, principalmente quando vivencia a maternidade. Conforme estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), metade das mulheres que têm filhos é demitida em até dois anos depois da volta da licença-maternidade. Diante deste cenário, é notório que uma licença de um ano causará um enorme prejuízo para as mulheres que lutam para ganhar e manter o seu espaço no mercado de trabalho. Haverá aumento da diferença salarial entre homens e mulheres, uma vez que esta mudança custará caro para as empresas. Poderá haver demissão em massa das mulheres que estejam na idade biológica para engravidar. E muitas nem sequer chegarão a ser contratadas.

Sim, este é um lindo projeto quando pensamos sob a ótica de mãe e filho terem oportunidade de estreitar seus vínculos afetivos, mas, diante de todo o contexto jurídico e social, o sonho da ministra já surgiu ultrapassado.

Debora Ghelman é advogada especializada em Direito Humanizado nas áreas de Família e Sucessões, atuando na mediação de conflitos familiares a partir da Teoria dos Jogos.

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