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Os riscos do populismo na solução da crise dos combustíveis

Postos de combustíveis. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo/Arquivo)

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A elevação dos preços dos combustíveis entre 2020 e 2021 já começa a ter impactos políticos em Brasília, trazendo o receio da adoção de soluções heterodoxas de controle de preços por meio da intervenção dos poderes Executivo e Legislativo. É preciso compreender que a cadeia de produção e distribuição de combustíveis possui vários elos e que a solução do problema é complexa e requer a compreensão do funcionamento desses diversos elos e suas inter-relações, sem o qual as possíveis soluções podem contribuir para aprofundar os problemas e trazer novos elementos de tensão para esse mercado.

A composição de custos da gasolina considera diversos elementos, como a evolução do barril de petróleo; a dinâmica de preços do álcool anidro; os custos operacionais de refino da Petrobras; a taxa de câmbio utilizada na aquisição do petróleo; os tributos federais como PIS, Cofins e Cide; o ICMS, de responsabilidade estadual; os custos operacionais; e as margens de lucro dos postos de gasolina.

A gasolina comercial vendida no Brasil é composta por 73% de gasolina tipo A e 27% de álcool anidro. De certa forma, os preços de ambos os combustíveis são reajustados pelo dólar americano, já que tanto o petróleo quanto o álcool são cotados nessa moeda. Além disso, tanto o preço do barril de petróleo quanto o litro do álcool apresentam dinâmica própria ao longo do tempo.

Embora o preço do litro do álcool anidro para o produtor tenha um preço médio de US$ 0,5040 entre 2010 e setembro de 2021, desde março deste ano o valor do litro vem superando essa média, tendo atingido US$ 0,6089 no começo de outubro, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, em função da crise hídrica que atinge o Brasil. Já o barril de petróleo sofreu um reajuste próximo a 40% desde o começo de 2021, tendo superado os US$ 80 em outubro, em função do reaquecimento da economia mundial e de a retomada da produção ainda não ter se equilibrado com o consumo.

A variação da taxa de câmbio explica também parte significativa do problema. Segundo dados do Ipeadata, a cotação da moeda americana ao fim de 2019 era de R$ 3,9451, enquanto a cotação ao final de setembro de 2021 foi de R$ 5,4394, uma elevação de 38% no período. Como ilustração do efeito do câmbio, o barril de petróleo já atingiu mais de US$ 125 em 2011, mas a taxa de câmbio era da ordem de R$ 1,65 na época, totalizando valores próximos a R$ 206,25 o barril, enquanto que, considerando uma taxa de câmbio de R$ 5,4394 e um barril de petróleo a US$ 80, o valor supera os R$ 435,15 – um crescimento de 111% no período.

É preciso compreender que a cadeia de produção e distribuição possui vários elos e que a solução do problema é complexa e requer a compreensão do funcionamento desses diversos elos e suas inter-relações.

Em termos tributários, os tributos federais sobre gasolina representam R$ 0,8925 por litro e os que incidem sobre o etanol anidro, R$ 0,1309; pode-se dizer são “inelásticos” com relação às demais variáveis, ou seja, não são afetados por variações de preços do petróleo e álcool anidro, dentre outros. Já o ICMS é um tributo calculado sobre o preço do combustível e é impactado pela variação de preços na distribuidora. Por outro lado, diferentemente das margens dos postos de gasolina que sobem ou descem a partir da decisão dos donos de postos, o valor do ICMS é calculado a partir da aplicação de uma alíquota, de âmbito estadual, sobre o “preço médio ponderado ao consumidor final” (PMPF), apurado a cada 15 dias pelas secretarias de Fazenda dos estados.

A apuração do PMPF é um processo que poderia ser mais transparente e que contribui para a elevação sistemática dos preços, por um efeito inercial. Por exemplo, suponha que tenha havido uma elevação média do preço do litro da gasolina em um estado, entre dois períodos, de R$ 6 para R$ 6,30 – elevação de cinco pontos porcentuais. Neste caso, o PMPF também subirá os mesmos cinco pontos porcentuais, fazendo com que o valor nominal do ICMS a ser pago pelos postos suba. Ou seja, ainda que os custos com o combustível na distribuidora caiam, o efeito líquido pode ser nulo, já que a queda seria compensada pela elevação do valor do tributo.

Outro fator interno que também contribui para o encarecimento do preço da gasolina são as margens de lucro dos distribuidores e postos de combustível. A gasolina é uma commodity e seu preço final é sempre determinado por uma composição entre oferta e demanda. Na medida em que o consumo de combustível tem características “inelásticas” com relação ao preço, ou seja, um aumento nos preços causa apenas uma pequena queda no consumo, muitas vezes há um incentivo para que haja um repasse para os consumidores finais de quaisquer aumentos de custos ocorridos nas etapas anteriores da cadeia dos combustíveis.

Ou seja, o que determina o preço final ao consumidor acaba sendo o próprio valor que os consumidores estão dispostos a pagar por aquele combustível. Apenas uma maior concorrência entre postos de combustível é que pode forçar os preços para baixo. Por essa razão, soluções que simplesmente reduzam os custos do produto ou dos tributos nas etapas anteriores podem não ser eficazes, já que os postos de gasolina se apropriariam de parte desses ganhos.

Em função da elevação do preço da gasolina observada nos últimos meses, a questão deixou de ser econômica para se tornar política. O Poder Executivo vem afirmando que parte do problema são os tributos estaduais (o ICMS) e que deve encaminhar proposta para que esse tributo seja alterado para um valor fixo por litro de combustível, a exemplo da Cide/PIS/Cofins. Como isso representaria uma potencial queda de arrecadação para os estados e municípios, já que estes últimos recebem 25% da arrecadação do ICMS, já há reações no Congresso Nacional contra essa possibilidade. Por um lado, o ICMS sobre combustíveis representa uma importante fonte de receita para os estados, que já estão com sua situação fiscal desbalanceada. Por outro, a medida pode se tornar inócua na medida em que os postos de combustíveis podem se apropriar da redução de custo para aumentar ainda mais as suas margens.

Há outras soluções heterodoxas que foram apresentadas, como a criação de um fundo para equilibrar o preço dos combustíveis ou a adoção de tributos em etapas da produção do petróleo. Aparentemente, ambas as alternativas também são tecnicamente inadequadas. A adoção de tributação adicional sobre etapas da produção de petróleo irá simplesmente aumentar os custos de produção e deverá ser integralmente repassada para os preços na distribuidora, onerando ainda mais os consumidores. Deve-se lembrar que isso tornaria a gasolina brasileira menos competitiva com a produzida internacionalmente, o que poderia ter um efeito ainda maior sobre a rentabilidade da Petrobras.

Já a criação de um fundo estabilizador é impraticável pelos volumes de combustível envolvidos. Utilizando a demanda anual de 35,824 bilhões de litros de gasolina e de 2,02 bilhões de litros de óleo diesel, um subsídio federal da ordem de R$ 0,50 iria ter um custo fiscal de quase R$ 19 bilhões, ou cerca de dois terços do volume empregado no programa Bolsa Família. Essa política teria de ser implementada por emenda constitucional, já que estaria sujeita às limitações da EC 95, de 2016, que estabeleceu o teto dos gastos.

Então, diante dos argumentos apresentados, qual seria a solução para essa questão? No curto prazo, quaisquer iniciativas que tragam uma redução na taxa de câmbio contribuem para a redução do preço dos combustíveis. Políticas que vão desde uma maior flexibilidade para a entrada de capital estrangeiro até uma iniciativa do chefe do Poder Executivo de demonstrar estabilidade institucional e econômica podem afetar o preço do câmbio e contribuir para baixar custos.

Além disso, o fomento a uma maior concorrência entre as distribuidoras pode também ajudar a baixar os preços nas bombas de combustível. O governo poderia, por exemplo, aumentar a intensidade e a aplicação de multas sobre postos de combustível que atuassem como cartel.

Uma terceira possibilidade é um aperfeiçoamento na metodologia de cálculo da PMPF para que se reduza o efeito inercial do impacto do ICMS no custo dos combustíveis, o que também poderia ajudar a baixar o preço desse produto.

Já no médio prazo, políticas públicas que ajudem a trazer maior estabilidade para o setor sucroalcooleiro podem ajudar a reduzir os preços médios, em dólares americanos, e diminuir a volatilidade do preço da gasolina. A abertura de mercado para outras empresas explorarem a prospecção e refino dos combustíveis e a abertura para a importação de petróleo pode também trazer reduções adicionais de preços.

William Baghdassarian, Ph.D., é professor de Finanças do IBMEC.

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