Depois de cinco anos de pesquisa sobre identidade cultural, um grupo voluntário de pesquisadores organizado em um instituto com sede em Ribeirão Preto (SP) resolveu, diante da constatação da falta de relação de pertencimento entre cidadão e cidade, prototipar um modelo de Cidade Humana. Entre idas e vindas e referências teóricas de diversas áreas do saber, foi consolidada uma trilha com seis passos.
Para esse grupo, qualquer cidade que queira se identificar como humana precisa colocar o ser humano em primeiro lugar. Isso significa priorizar as pessoas em relação às instituições; decidir a favor do cidadão antes das corporações e sistemas. Embora isso seja aparentemente óbvio, leituras da atualidade mostram o inverso. No campo das políticas públicas, para garantir que o humano seja colocado em primeiro lugar, segundo essa pesquisa, é preciso investir na primeira infância. E, nesse caso, não se trata exclusivamente de promover o atendimento nas áreas de saúde, educação e desenvolvimento, mas de adotar um modelo de gestão que se comprometa a trabalhar as potencialidades desse público preparando-o para a Cidade Humana, com destaque para a criação de novas redes de conversações.
A proposta é desconstruir redes obsoletas consolidadas entre os brasileiros. Para o pensador chileno Humberto Maturana, somente uma nova rede consegue, ainda que de maneira geracional, quebrar uma anterior. Dessa forma, para que redes de conversações sejam revisadas, desde uma simples como “brasileiro sempre chega atrasado” até uma mais complexa, como “o homem chefia e a mulher obedece”, é necessário atuar na boa formação da primeira infância.
O segundo passo, transformar o cidadão usuário da cidade em cocriador, atua no campo da cidadania e trabalha com a ideia de fortalecimento da micropolítica e da autorresponsabilização, propondo equacionar as relações entre direitos e deveres, tão desequilibrada no país.
O passo seguinte é imperativo ao afirmar ser importante viver em comunidade. O recorte não é simplesmente para o relacionamento das pessoas, mas o envolvimento. Nesse caso, o francês Edgar Morin colabora com a resposta propondo a criação de espaços de aproximação. Trata-se do trabalho de criar conexões entre os temas que são comuns aos pequenos e grandes coletivos. A promoção do fazer junto.
Para garantir que haja futuro é preciso religar o ser humano ao meio ambiente. Esse passo é estruturante. A desconexão no passado nos trouxe até aqui. A rivalidade entre a economia e a natureza criou uma corrida sem vencedor. Todos estamos perdendo e reverter essa tendência significa se comprometer com a mudança de hábito e consciência.
O quinto passo foi consolidado como resposta a algumas perguntas. Ele segue intrínseco ao passo anterior, tentando dar retaguarda para as mudanças necessárias. Fortalecer a economia cocriadora, aquela colaborativa, criativa, circular e que deve enaltecer o circuito curto, é uma demanda que se metamorfoseia dependendo do tamanho e modelo das cidades, mas que se faz comum entre todos aqueles grupos desassistidos. Muitos modelos dessa economia foram diagnosticados durante a pesquisa.
O sexto passo puxa os demais, assim como o primeiro empurra todos os outros. Educar em suas múltiplas formas é alicerçal. A sinergia entre ensinar e aprender em uma rotina da cidade viabiliza a transformação didática. Embora presente em todos os passos – pois, afinal, sem a educação para o novo não há a transição apregoada ao longo da trilha rumo à cidade humana –, o sexto passo precisou ser concebido como uma unidade para permitir seu protagonismo.
Os seis passos, entretanto, para não seguirem isolados, foram amarrados em uma base comum, também oriunda da pesquisa de escutas. Para que o avanço delineado possa, de fato, ocorrer, segundo esse grupo de pesquisadores, é fundamental que haja amor como atitude pedagógica. O tema surgiu antes mesmo dos seis passos na trajetória, mas se consolidou como elo de ligação. Amor como atitude pedagógica é a base da equação que permite o somar, o dividir e o multiplicar dos bons sentimentos, como por exemplo a empatia, o respeito, a resiliência e a subtração de sentimentos não tão bons, como o julgamento, o egoísmo e o cinismo.
Adriana Silva é educomunicadora, pesquisadora na área de identidades culturais e gestão pública do IPCCIC.
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