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Os sete pecados capitais do nosso sistema judicial

(Foto: Guilherme Paixão/Thapcom)

A função do sistema judicial é pacificar com justiça, decidindo os conflitos sociais com rapidez, segundo os valores eleitos na lei e jurisprudência. O desenvolvimento do país depende necessariamente do bom funcionamento de seu sistema judicial. É função tão importante que o sistema judicial é titularizado por um dos poderes do Estado, o Poder Judiciário.

O monstruoso estoque de quase 80 milhões de processos judiciais, a demora de muitos anos para julgar processos subjetivos e décadas para formar jurisprudência firme, resultando em histórica insegurança jurídica e descrença no Judiciário, permitem concluir que o nosso sistema judicial não está cumprindo a sua função essencial com eficiência, conforme determina a Constituição Federal.

Há um consenso sobre a necessidade de uma reforma administrativa no serviço público, no sentido de aprimoramento e redução de custos. Essa reforma passa obrigatoriamente por reforma também no sistema judicial, responsável pela administração da justiça. E há sete pecados capitais que atravancam o nosso sistema judicial, alimentando essa tragédia de demora, insegurança jurídica e injustiça.

Primeiro, as quatro instâncias de julgamento. A Constituição de 1988 adotou um sistema de quatro instâncias: juízos locais; tribunais estaduais (TJs) e tribunais regionais (TRFs, TRTs e TREs); quatro tribunais nacionais (STJ, TST, STM e TSE); e, por fim, o Supremo Tribunal Federal (STF). Essa extensa hierarquia faz com que os processos judiciais, na prática, possam ter até quatro julgamentos, demorando anos para chegar ao fim. A formação de jurisprudência firme muitas vezes demora décadas, lentidão incompatível com as urgências da modernidade.

O Estado judicial que vivemos é uma zona de conforto e poder para algumas corporações, mas certamente não é bom para a sociedade brasileira

Segundo, a competência judicial exagerada do Supremo Tribunal Federal. A nossa Constituição é amplíssima, abrangendo grande parte da vida nacional. O Supremo, como guardião da Constituição, por consequência, tem vasta competência de julgamento e, mesmo com filtros processuais, atrai milhares de processos subjetivos. O STF, sendo corte constitucional, corte recursal e corte instrutória em crimes de algumas autoridades, com apenas 11 ministros, vive sufocado de trabalho (tem um estoque de quase 40 mil processos), não tendo tempo adequado para as grandes questões nacionais. A quantidade de processos que chegam ao Supremo destoa excessivamente das demais cortes supremas das democracias do planeta. É uma situação insustentável, que precisa ser mudada.

Terceiro, o excesso de decisões monocráticas no Supremo. O STF é composto de respeitáveis jurisconsultos. O plenário do Supremo tem a importante função de compensar os diferentes entendimentos, resultando média mais próxima da representação da sociedade. Temos visto decisões monocráticas sobre questões nacionais importantes, delicados conflitos de poderes, acirrando ânimos e ampliando insegurança. Têm ocorrido “pedidos de vista a perder de vista”, sem fiscalização institucional, desprestigiando a colegialidade e aumentando a famigerada lentidão. Esse despautério precisa ser enfrentado pela sociedade e pelo Congresso Nacional.

Quarto, um Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitado. A primeira e segunda instâncias julgam considerando toda a legislação (normas, decretos, leis ordinárias e Constituição). Na terceira instância, especialmente no STJ, os julgamentos são limitados às questões relacionadas com as leis ordinárias. Após isso, havendo recurso, os processos são encaminhados ao Supremo, para julgamento constitucional. O STJ produz jurisprudência limitada que, anos depois, é modificada pela jurisprudência constitucional do STF, que analisa os mesmos casos sob uma eventual leitura constitucional. O resultado é insegurança e demora institucionalizada. É necessário conceder competência plena ao STJ e poder para concluir todos os processos subjetivos, acabando com essa divisão competencial burocratizante.

Quinto, o excesso de recursos. O Brasil é o paraíso dos recursos processuais e impugnações. Existem recursos para novo julgamento na instância superior (apelação ao tribunal, recurso especial ao STJ e recurso extraordinário ao Supremo) e vários recursos dentro de cada uma das quatro instâncias (embargos de declaração, agravo regimental, embargos infringentes), totalizando dezenas de recursos. Não bastasse, corre paralelo aos recursos um sistema de ações especiais autônomas (habeas corpus e mandado de segurança), questionando decisões e julgamentos. Temos um excesso de recursos processuais inviabilizando a razoável duração do processo, determinado expressamente pela Constituição, gerando insegurança e descrença no sistema judicial.

Sexto, a assistência judiciária gratuita. A Constituição Federal garante o acesso ao Judiciário; entretanto, a legislação alargou demasiadamente o princípio, concedendo a quem declarar impossibilidade de pagar custas e advogado o acesso ao Judiciário sem taxas e a isenção de pagar despesas do processo, mesmo quando a demanda for julgada improcedente. Acesso livre de despesas e saída também livre de despesas em qualquer hipótese. Isso resultou em uma explosão de demandas, aventuras e tentativas, à medida que não há qualquer risco em caso de perder a demanda. O demandado que vence o processo, que teve despesas para se defender, fica com o prejuízo. Esse critério por demais amplo deve ser remodelado, permitindo a isenção de custa para o acesso, mas com a possibilidade de responsabilização ponderada quando a demanda for improcedente. A legislação já tem um bom sistema de proteção a todos os devedores (impenhorabilidade de salários, poupança popular, habitação, bem de família e instrumentos de trabalho), não havendo necessidade de isenção tão ampla.

Sétimo, o injusto processo legal. Todos os países democráticos cultuam o “devido processo legal justo”. O Brasil institucionalizou o “injusto processo legal”. É que o Estatuto da OAB, em 1994, tomou a verba ressarcitória de despesa com advogado, pertencente ao vencedor do processo, e a transferiu para o advogado. O Judiciário reconhece um direito de 100 e o jurisdicionado recebe somente 80, por exemplo, deixando de ser ressarcido do que gastou com seu advogado. Por outro lado, o advogado recebe dois honorários, os contratuais e os honorários de sucumbência, que naturalmente pertencem à parte vencedora do processo. Caso queira receber a despesa feita com seu advogado, a parte vencedora tem de propor um novo processo. Processo gerando processo, em circularidade infinita.

Temos graves problemas para resolver: 80 milhões de processos em andamento no Judiciário, estoque de 40 mil no Supremo (números campeões no mundo), demora, insegurança e descrença. Esse quadro é resultante da conjugação simultânea das distorções acima resumidas. Estamos em plena tempestade perfeita, que precisa ser enfrentada e domada. Movimentos de redução da competência do Supremo, redução do número de instâncias, redução dos recursos processuais, conclusão dos processos subjetivos na terceira instância e regulamentação dos poderes dos ministros devem ser incentivados, fortalecidos e levados à conclusão no parlamento.

A história ensina que o desenvolvimento e pujança das nações dependem do desenho e estruturação das suas instituições fundamentais, entre as quais o Judiciário, órgão produtor de decisões fundamentais e responsável pela pacificação social. O Estado judicial que vivemos é uma zona de conforto e poder para algumas corporações, mas certamente não é bom para a sociedade brasileira, que tem direito a um sistema judicial justo e eficiente, conforme determina a Constituição.

José Jácomo Gimenes é juiz federal e foi professor do Departamento de Direito Privado e Processual da UEM.

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