| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

No dia 27 de maio, bem no ápice da paralisação dos caminhoneiros, foi editada a Medida Provisória 832/2018, que institui a política de preços mínimos do transporte rodoviário de cargas. O texto da MP prevê a publicação de tabela com preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado. Serão tabelas com validade semestral, publicadas até 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano, tendo os preços fixados natureza vinculativa. Três dias depois, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou a Resolução 5.820/2018, que institui a tabela com preços mínimos referente ao quilômetro rodado, por eixo carregado, nos fretes, novamente mencionando o caráter vinculante.

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Nota-se que, para atender às exigências impostas para o fim da greve dos caminhoneiros, várias medidas foram realizadas às pressas, sem qualquer planejamento ou estudo sobre os impactos nos diversos setores da economia, causando grande oposição, especialmente de quem atua na cadeia do agronegócio. Diante desse cenário, vivemos momentos turbulentos com forte impacto no abastecimento, e a população permanece em estado de atenção ante a ameaça dos caminhoneiros de resistirem e mobilizarem-se novamente caso a tabela de preços mínimos dos fretes de cargas terrestres rodoviários seja alterada.

Muito embora seja inquestionavelmente justo o pleito dos caminhoneiros, especialmente dos profissionais autônomos, os quais amargam longas horas de jornada, com custos elevados de manutenção do caminhão, pedágio, combustível e, em contrapartida, são mal remunerados, é sabido que os maiores prejuízos serão arcados pelo consumidor final, que, além de sofrer com o aumento dos impostos, compensando-se o subsídio ao preço do diesel, sofrerá com a alta dos produtos.

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A MP 832/2018, manifestamente inconstitucional, deve ser expurgada da ordem jurídica

No aspecto econômico, os resultados serão devastadores: estima-se uma alta nos preços de até 150% no valor final dos produtos. No que tange ao aspecto jurídico, as consequências também não serão positivas. Ocorre que tais normas, ao estipularem o efeito vinculativo aos preços dispostos na tabela, prevendo que seu descumprimento sujeitará o infrator a indenizar o transportador em quantia equivalente ao dobro do que seria devido, nos termos do artigo 5.º, parágrafo 4.º da referida MP, afrontam claramente os princípios constitucionais da ordem econômica da livre iniciativa e livre concorrência.

O texto constitucional é claro ao elencar, como princípios fundamentais à atividade econômica, a livre iniciativa e a livre concorrência, dispostos no artigo 170 da Constituição Federal, não podendo, portanto, o governo intervir nas relações econômicas privadas. Os contratantes dos serviços de frete são entidades com atividades tipicamente comerciais, operando, por consequência, em um mercado de ampla concorrência. Logo, a MP 832/2018 é ilegítima, vez que interfere em relações econômicas privadas e inibe a livre iniciativa. Portanto, é evidente a intervenção do governo na economia, impondo o tabelamento do preço dos fretes, em total ofensa aos ditames constitucionais, vez que o Estado somente está autorizado a intervir na economia obedecendo-se estritamente aos princípios assegurados na Constituição Federal. Diversas entidades de classe defenderam o ingresso de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a MP 832/2018, em especial lideranças da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

A MP, conforme exigência da norma constitucional, ainda passará pelo crivo do Congresso Nacional, daí a atuação dos diversos setores impactados na tentativa de negociações para que a norma seja declarada inconstitucional ou ao menos seja alterada. Além disso, há forte pressão para que sejam revistos os preços da recém-divulgada tabela da ANTT. Nesse contexto, já foi proposta “emenda modificativa” pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) estabelecendo que o conteúdo da tabela com precificação dos fretes tenha natureza referencial e não vinculativa, como consta no texto original da norma.

Opinião da Gazeta: O tabelamento do frete (editorial de 17 de junho de 2018)

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Nossas convicções: Livre iniciativa

Enquanto a norma não é revista, despencam nos diversos tribunais brasileiros pedidos de tutela de urgência, requerendo-se a suspensão imediata dos efeitos vinculantes e sanções previstos na MP 832/2018, bem como da Resolução 5.820/2018, de forma que a ANTT seja compelida a fornecer toda a documentação necessária ao transporte rodoviário de cargas independentemente do valor contratado pelo frete.

No que se refere às exigências para determinação deste tipo de tutela de urgência, observa-se que os requisitos legais de probabilidade de direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme disposto no novo Código de Processo Civil, restam preenchidos. A probabilidade do direito se fundamenta justamente na inconstitucionalidade da norma, na medida em que a vinculação a um tabelamento de preços afronta os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência, bem como intervenção inconstitucional do Estado na economia. Já o perigo na demora resta evidente na medida em que os contratantes de transporte rodoviário necessitam dar continuidade às negociações, não podendo aguardar eventual alteração da norma ou contratar os fretes de acordo com os valores da tabela atual, insustentáveis para a manutenção das negociações.

Por todo o exposto, resta clara a inconstitucionalidade da MP 832/2018 ao determinar o efeito vinculante dos preços apregoados na tabela recém-publicada pela ANTT. Teme-se, inclusive, caso ela não seja revista, a formação de cartel entre as empresas que realizam os transportes rodoviários, que terão fundamento para coordenar ações de eliminação da concorrência e alta nos preços.

Em resumo, a MP 832/2018, manifestamente inconstitucional, deve ser expurgada da ordem jurídica e seus efeitos pretéritos devem ser desconsiderados sob pena de se desprestigiar nossa Carta Maior e privilegiar a insegurança jurídica.

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Priscila Arone Coutinho é advogada especialista em Direito para Agronegócio.