Os resultados mais recentes da balança comercial e do Produto Interno Bruto (PIB) revisado produziram munição adicional às avaliações dos meios econômicos acerca do aprofundamento de um curso de desindustrialização da abrangente e sofisticada base produtiva operante no Brasil e, por extensão, do aparecimento dos sintomas do fenômeno conhecido como "desgraça holandesa", em alusão aos desdobramentos verificados a partir da melhora dos termos de intercâmbio daquela nação, ocasionada pela descoberta e exploração de gás natural em seu território.
A perda de ímpeto de crescimento das exportações, o incremento expressivo das importações, o moderado acréscimo da produção interna de manufaturados e a redução da importância relativa da indústria na composição do emprego e da renda interna (de 36% para 27% do PIB no ano de 2005, de acordo com a nova metodologia do IBGE), comum em economias maduras, representariam os sinais de um conjunto de distorções capazes de constranger o potencial de crescimento de longo prazo e a geração de economias de escala e de impactos irradiadores de demanda para frente e para trás no país.
Acrescente-se a internacionalização das companhias brasileiras, incluindo a transferência de plantas produtivas para outros países. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) identificou 217 firmas industriais que investiram de forma direta no exterior, no intervalo de tempo compreendido entre 2001 e 2003.
Por certo, o encolhimento da dimensão relativa do setor industrial poderia ser imputado à proliferação da terceirização de diversas funções acessórias e/ou não finais e às modificações acusadas no perfil de consumo da população a partir da estabilidade monetária, propiciando deslocamentos de demanda da manufatura para os serviços, explicados pelos diferenciais de elasticidade renda.
Contudo, a terceirização representou um dos pilares da reestruturação defensiva (técnica e gerencial, inclusive com a acentuação da racionalização de processos), ocorrida no primeiro quinquênio dos anos 1990. Ademais, a tese do desvio de utilização final parece pouco defensável, diante dos reduzidos níveis de renda e de inclusão social da população prevalecentes no Brasil.
Logo, é fácil perceber que, salvo no caso de algumas atividades, foco do ajuste modernizante e passivo dos 1990 e/ou do encaixe pleno nos ciclos expansivos observados pela economia mundial na segunda metade do decênio dos 1990 e entre 2002 e 2006, inclusive como reflexo de dois pesados ajustes cambiais (1999 e 2002), no mais, a indústria brasileira vem amargando compressão de performance comparativamente tanto à produção de manufaturas de outros mercados emergentes quanto às demais frações do sistema produtivo doméstico, inclusive aquelas especializadas no uso intensivo de recursos naturais.
Especificamente de 2004 em diante, a raiz dessa anomalia repousaria na forte apreciação da taxa de câmbio, derivada da conjugação entre a prática das maiores taxas de juros reais de curto prazo do planeta, os elevados saldos comerciais provocados pelo aproveitamento das oportunidades abertas pela continuidade da expansão da economia internacional e das cotações das commodities agrícolas e minerais, a queda dos valores de amortização da dívida externa e dos prêmios de risco dos papéis brasileiros que, por sinal, estimulam novos ingressos de capitais e a formação de um círculo vicioso de valorização do real.
Na visão oficial, o elenco de elementos explicativos do retardo cambial estaria associado ao reforço dos fundamentos macroeconômicos brasileiros. Mas, paradoxalmente, ao praticar a estratégia de aquisição de moeda forte, no afã de conter a apreciação do padrão monetário nacional, o governo incorre em custos fiscais ocasionados pelos diferenciais entre as taxas internas reais de juros, próximas 9,0% ao ano, e os juros reais médios internacionais, inferiores a 3,0% ao ano.
Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE Centro Universitário FAE Business School.
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