O amigo Mário Nelson me ligou outro dia e perguntou se eu estou otimista ou pessimista. Respondi que há três diferentes planos espaciais – pessoal, nacional e mundial – e dois níveis temporais: curto ou longo prazo.
Estou otimista no curto prazo do plano pessoal. Mas aos 75 anos é difícil manter o otimismo no médio e impossível no longo prazo. Temo o impacto de o Brasil continuar a decadência dos últimos anos e cair na inflação, se não fizermos as reformas que precisamos. No plano nacional, ao contrário, estou pessimista no imediato e otimista no longo prazo. Não vejo como o atual governo vá nos conduzir a uma sociedade tolerante, justa e sem corrupção; nem a uma economia eficiente e rica. Mas temos razões para otimismo no longo prazo, porque o Brasil é muito maior do que o atual governo.
No caso da humanidade, sou otimista no curto, mas pessimista no longo prazo
O Brasil tem tudo para se recuperar, se aproveitarmos a grande chance política, graças à perda das ilusões tanto com o populismo atrasado e insustentável, quanto com o “outrismo” que decidiu eleger qualquer um, desde que fosse diferente. O otimismo surge com a percepção da catástrofe que convença eleitores e eleitos de que não se constrói justiça social sobre economia ineficiente, de que surjam forças capazes de ganhar eleições e contar com apoio para uma estratégia de longo prazo. É inútil a disputa para decidir se com economia ineficiente é melhor caminhar para o abismo com o “pé direito” ou com o “pé esquerdo”.
A Pedagogia da Catástrofe (aprender com a tragédia e com o pessimismo do curto prazo para ter otimismo no longo) pode levar à realização do que hoje parece difícil. Essa mesma pedagogia pode permitir ao Brasil descobrir que nossos problemas decorrem sobretudo de duas desigualdades: da educação em relação a outros países, e do acesso diferenciado conforme a renda da família, o que impede o aproveitamento do conhecimento de dezenas de milhões de cérebros deixados para trás.
Francisco Razzo: A pobreza da ideologia (publicado em 27 de fevereiro de 2019)
Leia também: A nova república dos adesistas (artigo de Elton Frederick, publicado em 26 de maio de 2019)
No caso da humanidade, sou otimista no curto, mas pessimista no longo prazo. A Pedagogia da Catástrofe terá mais dificuldades para funcionar, devido ao tamanho do desastre ecológico, que já dá sinais de consequências irreversíveis. Os seres humanos ficarem tão desiguais na renda, no consumo e no acesso às técnicas médicas e biológicas que se dividirão em “neohomosapiens”, super-homens graças à ciência e à tecnologia, e “neoneanderthais”, uma subespécie à margem dos benefícios do conhecimento. Quando o “homo” for dividido em dois “homos” distintos, o conceito de desigualdade desaparecerá por falta de sentimento de semelhança que ainda resiste entre os ricos e os pobres da mesma espécie “homo”.
O pessimismo vem também da percepção de que, nas democracias nacionais (e nada indica que teremos uma democracia humanista-planetária, uma “humanocracia”), o risco de catástrofe possa levar (como parece estar acontecendo) a uma preferência por opções populistas nacionais e imediatistas, com soluções individuais para poucos no presente, agravando a catástrofe planetária no futuro.
Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.
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