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Por despeito pessoal, tática política ou ambos, algumas lideranças latino-americanas começaram a colocar-se na contramão da opinião pública mundial e iniciaram um sutilíssimo movimento para minimizar o impacto da vitória de Barack Obama. Um dos seus argumentos: afinal, a vitória de um negro nos EUA aconteceu quase oito anos depois da eleição de um metalúrgico nordestino para a presidência do Brasil e quase três anos depois da escolha de um índio cocalero para presidir a Bolívia.

O clube não chega a constituir-se formalmente como antiobamista, por ora está interessado em arrefecer a admiração pelo futuro presidente dos EUA, que afinal continuam encarnando o papel de país-Satanás. O grupo esqueceu de incluir no elenco de minimizações a eleição do eletricista Lech Walesa como presidente da Polônia há 18 anos e, há 14, do advogado negro Nelson Mandela, militante do movimento anti-Apartheid, na África do Sul.

São vitórias igualmente extraordinárias, sem exceção, sobretudo porque resultaram de eleições democráticas. Representam o inexorável movimento republicano-democrático que, não-obstante as sangrentas interrupções e periódicos retrocessos, vem sendo construído há quase 300 anos como o mais justo modelo para a escolha de governantes.

O que diferencia Barack Hussein Obama dos demais líderes que ascenderam da marginalidade para o poder é o conteúdo da sua postulação, seu compromisso em superar os ressentimentos que tornaram tão expressiva sua vitória. O primeiro negro a ser escolhido para presidir os EUA projetou-se através de uma plataforma claramente pós-racial e através da firme disposição de enterrar a odiosa diferença étnica entre os seus concidadãos.

Seus primeiros movimentos políticos como presidente-eleito foram no sentido de apressar a cicatrização das feridas eleitorais. O confronto entre os liberais e conservadores (para usar a designação anglo-saxônica) e agravado ultimamente pela exacerbação dos fundamentalismos religiosos será difícil de superar, mas alguns dos gestos de Obama – inclusive o anunciado encontro com o ex-adversário John McCain – sinalizam para um aggiornamento (atualização, no sentido de distensão) nas relações entre republicanos e democratas.

Evo Morales não se esforçou, ao contrário, manteve a divisão étnica-social herdada dos tempos coloniais e apenas mudou a sua direção: trocou a secular e impiedosa hegemonia da minoria branca pelo hegemonismo demográfico dos nativos e ainda acrescentou condimentos políticos-administrativos que levaram a Bolívia à beira de uma secessão efetiva.

Muito mais hábil, o presidente Lula candidatou-se e foi eleito com base num compromisso de continuidade no âmbito econômico. Soube mantê-lo e servir-se dele. Só não conseguiu preservar o clima de civilidade que dominou o processo de transição (um dos mais civilizados da nossa história). O "aparelhamento" do governo pelo principal partido da situação criou uma penosa discriminação dentro da sociedade brasileira onde o princípio "Aos amigos tudo" cria discriminações inconcebíveis numa sociedade teoricamente isonômica.

Mas o presidente Lula falhou de forma ostensiva como chefe de um Estado secular e que, apesar disso, convive com uma perigosa disputa entre evangélicos e católicos, verdadeira "guerra santa" pelo controle dos corações e mentes dos brasileiros no âmbito da mídia eletrônica.

Para atender partidos aliados que militam em diferentes denominações evangélicas, o governo é condescendente na distribuição de concessões de rádiodifusão e mantém a aberrante figura do congressista-concessionário.

E para aliviar as suas culpas, o governo anunciou em Roma na quinta-feira, uma autêntica "Concordata" com a Santa Sé que além de ter sido preparada na clandestinidade, sem qualquer aviso ou debate, confronta o espírito da Carta Magna e os fundamentos de um Estado secular.

Esquecido do exemplo pacificador do seu colega Barack Obama, o teólogo Lula da Silva deveria lembrar-se de que uma nação na qual as contendas religiosas são apenas disfarçadas jamais terá ânimo para eliminar as diferenças. Jamais caminhará unida.

Alberto Dines é jornalista.

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