Solidariedade, igualdade, desenvolvimento não são palavras vazias na Constituição. Expressam a necessidade de tratar com isonomia os que fazem parte do pacto federativo
A Constituição da República assegura aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, além de órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração; em outras palavras, da exploração do petróleo resultam royalties, que são repartidos, beneficiando, em especial, estados e municípios "produtores".
Após a descoberta de grandes reservas de petróleo na costa marítima brasileira, as questões relacionadas à partilha dos recursos que já vêm desde a década de 1950, com a criação da Petrobras reacenderam. Os novos campos petrolíferos, localizados na camada conhecida como pré-sal, parecem ser promissores, a despeito de pouco se conhecer sobre sua viabilidade técnica e econômica.
Junto com as indagações vieram os embates políticos. Estados e municípios "produtores" teriam sido preteridos, em substitutivo do Senado aprovado pela Câmara na madrugada do dia 2 de dezembro que seria o "marco regulatório do pré-sal" , no novo critério de participação e compensação. Pela nova proposta, estados e municípios "não produtores" seriam também contemplados pelos critérios dos Fundos de Participação: dos municípios e dos estados , enquanto parte dos recursos seria entregue à União e aos municípios afetados pela exploração do petróleo.
Vozes de protesto eclodiram, principalmente do Rio de Janeiro, que terá de enfrentar redução do porcentual de recursos que receberia do petróleo em forma de royalties, se mantida a regra vigente.
É notório que o petróleo brasileiro pertence à União, tal qual regula a Constituição. Entretanto, estados e municípios recebem, a título de compensação ou participação, parcela de recursos royalties decorrentes da exploração de petróleo em seus territórios. O constituinte entendeu que, nos estados e municípios nos quais houvesse exploração, era cabível participação nos resultados ou compensação pelos riscos inerentes à atividade exploratória, entre outros motivos.
E os demais entes federativos ficam sem os recursos? A ideia da federação brasileira nunca efetivamente vingou, pois uma federação deve preservar a autonomia dos seus estados membros, além de pugnar pela igualdade entre eles. Assim define a Constituição quando visa a garantir a redução de desigualdades regionais, ou seja, priorizar melhorias e investimentos às regiões do país com menor desenvolvimento para equipará-las às mais ricas.
Sendo o petróleo bem da União, mister que seja utilizado em prol de todos os entes, de forma a atender a própria Constituição. Por isso não há como defender posição que exclua os demais estados e municípios, mesmo estando completamente afastados da exploração. Termos como solidariedade, igualdade, desenvolvimento não são palavras vazias no texto constitucional, mas que expressam a perene necessidade de tratar com isonomia todos aqueles que fazem parte do pacto federativo.
Já defendia o direito dos "não produtores" há vinte anos Sansão José Loureiro, professor de Direito Constitucional e professor Emérito da Universidade Federal do Paraná. Publicou na Revista da Faculdade de Direito da UFPR o artigo "O Petróleo da Plataforma Continental: Fonte de Recursos Financeiros para os Estados Membros, o Distrito Federal e os Municípios" (RFD UFPR, n.º 26). Segundo ele, "[a]credita-se que o desenvolvimento da Federação deva ser orgânico, repartindo-se com racionalidade aquilo que possa contribuir para o geral, através do fortalecimento das partes componentes". Opinião acertada, e leva em conta outros princípios constitucionais, os quais devem ser considerados para interpretação da norma dos royalties.
Portanto, elevar o pacto federativo ao seu sentido mais amplo, pugnando pela igualdade material dos estados e municípios, além da igualdade entre cidadãos, é uma maneira verdadeira de efetivar parte da Constituição da República. E nesse sentido, mister é a repartição igualitária dos royalties, atendendo a todos os entes federativos, sem descurar, é claro, do direito dos mais atingidos pela exploração.
Rodrigo Luís Kanayama, mestre em Direito, é professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.