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Opinião do dia 2

Palocci por Mantega: a continuidade de um modelo

Por uma ótica eminentemente técnica, a saída de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda e o preenchimento do cargo e da função pelo ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, poderia sinalizar o extermínio da ortodoxia na gestão macroeconômica do país e a abertura de flancos para a adoção de uma orientação desenvolvimentista, menos preocupada com a preservação, "a ferro e fogo", da estabilização monetária e mais inclinada ao resgate dos requisitos essenciais à expansão sustentada.

Contudo, um exame criterioso da trajetória da política econômica durante o governo Lula e dos condicionantes do ciclo eleitoral, permitem o delineamento de cenários menos otimistas quanto a alterações abruptas no manuseio dos instrumentos por parte das autoridades.

Antes de mais nada, convém ter presente que, a despeito das freqüentes críticas recebidas de representantes do setor privado produtivo e das barreiras enfrentadas dentro do próprio executivo, erguidas por ministros como Dilma, Furlan e Rodrigues, pelo presidente da Petrobrás e pelo próprio Mantega, desde quando hospedado no Planejamento, o conteúdo da administração Palocci recebeu o incondicional aval do Presidente da República.

Embora tenha afirmado, em fevereiro de 2003, que gostaria de cometer somente erros novos, o ministro foi forçado a abandonar o posto por ter praticado o mais elementar dos equívocos velhos: o envolvimento em eventos que ensejaram a edificação de suspeitas financeiras contra, nada mais nada menos, o caixa do governo brasileiro.

Na verdade, os fundamentos da intensificação da austeridade monetária e fiscal que norteariam o mandato de Luiz Inácio, foram edificados por ocasião do lançamento da Carta ao Povo Brasileiro, no ápice do vendaval cambial provocado pelas especulações contra o risco Lula, no transcorrer do ciclo eleitoral de 2002, e consolidados com a viagem do candidato eleito ao coração financeiro do mundo, no final daquele ano, para a realização da escolha de Henrique Meirelles para ocupar a Presidência do Banco Central.

Essa sucessão de episódios conservadores marcou a ruptura com a retórica de mutação radical do modelo de estabilização, prevalecente no Brasil desde 1994, e a celebração de uma aliança estratégica com o capital financeiro de curto prazo, nacional e internacional, responsável pela rolagem da dívida pública brasileira. Daí a surpreendente radicalização do paradigma econômico herdado da era Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Não obstante os componentes recessivos reinantes na Fazenda, a ausência de crises internacionais ou, mais que isso, os maiores fluxos de comércio e de liquidez da economia mundial das últimas três décadas, registrados entre 2003 e 2005, acoplados à resposta positiva do setor privado – modernizado em métodos de gestão e de produção a partir da abertura dos anos 1990 – à depreciação cambial de 2002 e ao movimento ascendente do capitalismo internacional, propiciou a eclosão de uma etapa de recuperação econômica, no segundo semestre de 2004, com respingos no mercado doméstico, particularmente na massa de salários (emprego e rendimentos reais).

Mesmo com os impactos negativos ocasionados pelo auge da instabilidade política, com a operação simultânea de três Comissões Parlamentares de Inquérito (Correios, Bingos e Mensalão) para apurar denúncias de corrupção contra membros da base aliada do governo, a propensão à gradual flexibilização monetária e fiscal foi mantida, conformando os ingredientes mínimos indispensáveis à continuidade da rota de reativação moderada da economia em ano eleitoral.

É justamente esse panorama que vem caracterizando o funcionamento do sistema econômico brasileiro durante a mudança de bastão na pasta da Fazenda. O novo ministro deve prosseguir nessa balada, por duas razões. Em primeiro lugar, é praticamente consensual a idéia de que não há mais tempo para modificações abruptas no jogo econômico em 2006, estando as regras colocadas no sentido da diminuição dos juros e do abrandamento dos superávits fiscais primários. Em segundo lugar, Mantega é o "homem do Presidente Lula", tendo sido seu fiel escudeiro em matéria econômica por décadas.

Nas circunstâncias atuais, o viés desenvolvimentista do novo ministro pode servir apenas para viabilizar uma maior sincronização entre a Fazenda e as áreas dedicadas à formulação e execução de projetos de longa maturação, como Planejamento, Indústria e Comércio Exterior, Agricultura, Infra-Estrutura, Desenvolvimento Regional, entre outras.

Até porque, a tímida atuação da administração Lula nesses segmentos, desautorizaria, em curto período, qualquer empreitada mais arrojada na direção da discussão e organização de um projeto de crescimento para o país, com a designação dos ganhadores e perdedores diretos de um novo ciclo expansivo e o restabelecimento do equilíbrio entre os elementos de competitividade sistêmica, especificamente juros, câmbio, tributos, burocracia, infra-estrutura e inversões em inovação. Aliás, por exigir disponibilidade de enorme estoque de capital político, essa tarefa deverá ser liderada pelo próximo presidente da República.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário.

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