A crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 é uma realidade que vem causando inúmeras consequências, não só no âmbito da saúde e da economia, como também na vida em sociedade.
Os impactos nos municípios, estados e países, são diariamente noticiados e discutidos. Entretanto, deve-se enfatizar o fato de que as consequências da pandemia também atingem o cotidiano das pessoas desde a forma de trabalho, consumo, ensino, até o modo de interação social, inclusive no que tange a vida em condomínio.
À luz desta afirmação, o presente artigo busca analisar os impactos da atual crise sanitária e as diferenças advindas da vida em condomínio.
Sabendo que a maneira mais eficaz de impedir a propagação do vírus é o isolamento social, as pessoas têm buscado, sempre que possível, ficar a maior parte do tempo em casa, adotando, sempre que possível, o modelo de trabalho home office.
Como os condomínios são os locais em que os proprietários têm suas residências e compartilham áreas comuns, pode-se perceber a razão pela qual é importante analisar os impactos da pandemia nesta modalidade de residência demandando soluções alternativas e de bom senso.
A figura do síndico, nesse período, com certeza, vem ganhando protagonismo, na medida em que necessita conciliar as demandas, bem como estabelecer normas de procedimentos de interesses comum aos moradores, observando também as regras sanitárias exigidas pelas localidades.
Importante lembrar que muito embora detentor de importante papel nesta questão, o síndico não possui o poder discricionário de fazer valer a sua vontade individual sem autorização de assembleia ou regimento interno, na forma do artigo, 1348, inciso II, do Código Civil.
Diante da peculiaridade da situação sem precedentes recentes, o dialogo parece o caminho mais acertado. E, justamente nesse momento que muitos se encontram inclusive com a saúde mental abalada, o papel do síndico é essencial para preservar o bom convívio entre os moradores e zelar pela saúde dos condôminos, promovendo uma conversa aberta e acolhedora, vez que é o maior conhecedor das características da unidade e, então, juntamente com o conselho poderá tomar as melhores decisões para o bem estar comum dos condôminos.
No que tange aos impactos da pandemia nos condomínios na esfera econômica, a discussão volta-se muito para a taxa condominial.
Relembre-se que, o condomínio é uma propriedade compartilhada por vários proprietários, de modo que tal propriedade gera despesas, e a taxa condominial é o rateio, ou seja, a divisão de todos os valores gastos na manutenção das atividades do condomínio.
A Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) estabelece que taxa condominial é composta por despesa ordinárias e despesas extraordinárias. A primeira é prevista pelo artigo 23, § 1.o e inclui, dentre outros, as despesas trabalhistas dos empregados, consumo de água, luz e energia das áreas comuns e manutenção das dependências do condomínio. Do mesmo modo, o artigo 22 § único estabelece que despesas extraordinárias são as despesas alheias aos gastos rotineiros.
Em razão das consequências econômicas da pandemia, muitos condôminos vêm questionando os síndicos e administradoras sobre eventuais reduções no valor da taxa condominial, sustentando dificuldades financeiras.
Por mais que seja um pedido coerente com a situação atual, a redução do valor não é tão simples, já que se tratando de uma divisão entre os proprietários do valor que foi gasto no mês, eventuais reduções no valor da taxa condominial teriam que ter origem em um corte de gastos em alguma despesa, o contrário do que é a tendência para o momento, tendo em vista que os condomínios estão tendo que arcar com o aumento de consumo de água e gás, já que mais pessoas permanecem em casa e a aquisição de materiais de higiene pessoal, como álcool gel e afins tem aumentado.
Simultaneamente às solicitações de redução do valor da taxa condominial, existe também a inadimplência desta taxa, o que por vezes, aumenta o valor de rateio. Deste modo, frequentes inadimplências são um risco à administração do condomínio e colocam a prestação de serviços em risco, situação não desejável nesse momento em que se passa tanto tempo em casa.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi palco de uma decisão em determinado processo cujo magistrado fundamentou de maneira clara as razões para concordar com a ideia exposta acima. No caso, o executado, alegando dificuldade financeira provocada pelo período atual, requereu a suspensão do pagamento de acordo realizado para quitar a taxa condominial. O juiz de direito Christopher Alexander Roisin indeferiu o pedido, sob fundamento de que a mera afirmação de empecilhos financeiros não o dispensa da obrigação, que caso não seja adimplida por um condômino, será incluída no rateio dos demais. Nas palavras do magistrado: “não é menos verdadeiro que seus problemas não podem ser colocados sobre os ombros da comunidade de condôminos sem qualquer custo para si”.
Percebe-se, portanto, que o impacto da pandemia na taxa condominial, dado o seu caráter de rateio, requer soluções criativas por parte dos condôminos e administradores, recomendando-se, mais do que nunca, a transparência com a prestação de contas, de modo que os condôminos entendam o que compõe esta taxa e quais serviços são colocados em risco quando o inadimplemento é aumentado. Ainda, através da transparência em uma assembleia, é possível aos condôminos propor eventuais parcelamentos da taxa condominial, permitindo a quem esteja em necessidade a possibilidade de organizar suas finanças com um prazo maior.
Também por meio de assembleia, pode-se rever os gastos do condomínio e, caso viável, propor a suspensão de serviços não necessários ao momento, dentre o rol das despesas extraordinárias.
Outra questão um tanto quanto polemica, está relacionada a utilização das áreas comuns nos prédios. Conforme citado anteriormente, o condomínio é o local onde diversos proprietários têm suas residências particulares e compartilham áreas comuns, como academias, playgrounds e jardins. Sendo essa área compartilhada por todos os proprietários, como estabelecer as regras de utilização desta área?
Diante do isolamento social, tais áreas surgem como alternativa para aproveitar do ar fresco, luz do sol e atividades físicas, assim como um espaço para as crianças.
No entanto, o aumento do fluxo de pessoas em determinado local constitui um aumento no risco de propagação do vírus, razão pela qual é recomendado regras na utilização, com um número limitado de pessoas no local, de preferencia da mesma família, quando possível.
No que tange às áreas comuns, algumas são mais complicadas de ter seu acesso restringido, como elevador, hall de entrada e corredores por exemplo. Diante disso, o que vem ocorrendo é a recomendação de normas de segurança para a utilização destas áreas, das quais se ressalta a utilização obrigatória de máscaras, a orientação de só compartilhar o elevador com quem compartilha residência e, ainda, a adoção de ideias criativas para alternativas à chaves, botões e maçanetas.
Ao falar sobre as áreas comuns cuja travessia não é inevitável, a situação é diferente. Todos os condôminos compartilham a propriedade das áreas comuns, sendo incorreto negar acesso à uns enquanto se permite à outros. Vale ressaltar que, diante desta nova demanda, não existe uma “regra de ouro” para se adotar. O que se recomenda, entretanto, é analisar as características específicas do condomínio e das áreas comuns, no intuito de mapear as circunstâncias e, através do diálogo, tomar a melhor decisão, observando as variáveis relativas ao número de moradores, por exemplo, e o tamanho da área de lazer existente.
Exemplificando, um condomínio com 10 moradores apresenta alternativas diferentes de um condomínio com 100 moradores. O primeiro exemplo tem a possibilidade de propor um rodízio, de modo que todos os condôminos possam utilizar das áreas comuns. Ao mesmo tempo, para os condomínios maiores, essa possibilidade mostra-se inviável, devendo os moradores pensarem em opções diferentes, seja para restrição da utilização da área, seja para uso prioritário das famílias com crianças, idosos ou pessoas com necessidades especiais.
Nesse passo, pode-se dizer que a solução está sempre voltada para cooperação mútua e empatia dos condôminos. E com a pandemia onde, certamente, observa-se, um momento de fragilidade das relações interpessoais, tem-se um pequeno resgate da valoração da vida em sociedade e da contribuição ao próximo, observado pelos inúmeros bilhetes encontrados em elevadores de jovens colocando-se à disposição para auxiliar os moradores membros do grupo de risco à realizar eventuais atividades externas, como buscar encomendas e ir ao mercado, o que suscita esperança para um futuro melhor pós pandemia.
Maria Amélia Mastrorosa Vianna é advogada, especialista em Processo Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (Ibej), diretora institucional do Cesa-PR, presidente da Comissão de Sociedades de Advogados da OAB-PR, conselheira estadual da OAB-PR. Paulo Vitor Gonçalves Vieira Kammers é acadêmico de Direito.
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