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| Foto: Zig Koch/

Todos os dias, ao amanhecer e ao entardecer, é possível ouvir uma grande algazarra nas ilhas do litoral do Paraná. Os responsáveis são de cor verde, com uma lista vermelha na cauda e a face arroxeada. São os papagaios-de-cara-roxa. Aves que só existem na região do Lagamar, uma área que vai do litoral do Paraná ao de São Paulo e é considerada como de prioridade “extremamente alta” para medidas de conservação. Ela inclui um dos cinco estuários menos degradados e mais produtivos do mundo, além de fazer parte da “Reserva da Biosfera da Floresta Atlântica” decretada pela Unesco.

Esses singulares papagaios vivem de forma cooperativa. Voam em bandos em busca de alimentos. Quando pousam nas fruteiras, um “sentinela” permanece atento para que todos possam se alimentar de forma segura. Quando chega o período de acasalamento e postura, um deles permanece dentro do ninho até que os filhotes comecem a emplumar, para garantir a sobrevivência da ninhada. Já o outro, vai em busca de alimento para si e para o companheiro. Quando os filhotes já estão mais crescidos e conseguem permanecer sozinhos no ninho, o casal passa o dia a voar em busca de frutas diversas das planícies litorâneas para regurgitar no bico dos seus filhotes, que podem chegar até quatro. O que é raro. Em geral, dois filhotinhos nascem e, depois de 50 dias de cuidados intensos dentro do ninho, seguem os pais, que ensinam os segredos do território do Lagamar. Lugar onde permanecem ao longo dos próximos trinta ou quarenta anos de vida.

Não consigo entender por que uma região linda pode estar ameaçada pela ambição sem controle

Acompanho a vida dos papagaios há 20 anos. Conheço locais muito especiais onde eles fazem seus ninhos e dormitórios, em imensas e belas árvores de guanandis. Elas abrigam, além de ninhos de papagaio-de-cara-roxa, também inúmeras bromélias, orquídeas, samambaias e uma infinidade de outros animais, como o tiê-sangue, sanhaços, tamanduá-mirim, anfíbios, morcegos e até cobras. Todos se beneficiam da generosidade dessa árvore.

Em dias de sol ou de chuva, com ventos fortes ou neblina, já tive a oportunidade de presenciar bandos se dirigindo aos dormitórios para passarem a noite nos topos de árvores, seu porto seguro, em grupos que podem chegar a até dois mil papagaios. Um emocionante espetáculo! Nos primeiros raios de sol voam apressados se deslocando pela região do Lagamar, entre Ilhas e continente, em busca de frutos de guanandis, mangue-do-mato, araçás, canelinhas, jerivás, entre outros. Dessa forma, compreendi a dinâmica de deslocamento e a importância do complexo Lagamar para a sobrevivência dos papagaios-de-cara-roxa. Só a proteção do Parque Nacional do Superagui, da Ilha Rasa (APA de Guaraqueçaba), Ilha do Mel (Parque Estadual e Estação Ecológica) e Reserva Indígena da Ilha Rasa da Cotinga não são suficientes. As planícies de Pontal do Paraná, Paranaguá e Guaraqueçaba, com suas áreas de manguezais, restingas e florestas de terras baixas são essenciais para garantir o nascimento e a criação dos filhotes.

Dessa forma, gostaria de convidar os leitores a fazerem uma reflexão. O que buscamos, afinal, como sociedade? Por que permitimos a destruição de áreas naturais, que abrigam inúmeras formas de vidas conectadas entre si e que são responsáveis por benefícios que garantem a nossa sobrevivência no planeta? Para satisfazer o consumo da sociedade e os interesses de pequenos grupos, a natureza precisa ser destruída? Qual o futuro que queremos, realmente, para a região do Lagamar? Ela compreende várias unidades de conservação nacionais e estaduais como o Parque Nacional do Superagui, Parque Estadual Ilha do Cardoso, Parque Estadual do Lagamar, Estação Ecológica dos Tupiniquins, Área de Proteção Ambiental Cananéia-Iguape-Peruíbe, Área de Proteção Ambiental Guaraqueçaba e, como se vê, não está livre de ameaças.

Leia também: Direito de saber (artigo de Wanda Camargo, publicado em 21 de julho de 2018)

Leia também: A incapacidade da gestão pública em administrar o patrimônio natural (artigo de Lia Maris Antiqueira e Lucas Antiqueira, publicado em 28 de janeiro de 2018)

Pontal do Paraná é um local de belas praias, moradores tradicionais e um dos acessos às “joias do litoral do Paraná”, como a Ilha do Mel, Rasa da Cotinga e as belas baías do Lagamar. É também um dos principais locais de uso do simpático papagaio-de-cara-roxa. Este ano, um grupo de pesquisadores e voluntários, liderados pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), contaram cerca de quatro mil papagaios-de-cara-roxa (60% de toda a população que vive no litoral do Paraná) – em um espetáculo emocionante – se dirigindo as planícies de Pontal do Paraná e Paranaguá. Vieram, em bandos, da Ilha do Mel e da Rasa da Cotinga, certos de que as áreas naturais dessa região não sofrerão nenhuma alteração. Não é possível, para os papagaios prever que as florestas, os rios, nascentes e a vida selvagem podem ser destruídas por conta da ganância e de falta de visão de longo prazo.

Não consigo entender por que uma região linda – com cultura própria, ar puro, sossego e riquezas naturais que trazem saúde, alegria e recursos financeiros – pode estar ameaçada pela ambição sem controle. Um porto particular, uma estrada feita com dinheiro público projetada para os caminhões, estacionamentos para esses caminhões, empresas que virão com o porto, especulação imobiliária, resíduos e muita poluição podem ser a escolha dessa região, se não houver resistência dos moradores e de toda a sociedade paranaense. O litoral do Paraná tem um potencial imenso para se tornar referência de uma região de Mata Atlântica que optou por um desenvolvimento atrelado à proteção das áreas naturais como ativo social.

O comportamento que observo nos papagaios-de-cara-roxa, de cooperação, voando unidos pelo Lagamar poderia ser a inspiração para buscarmos uma visão comum e de longo prazo que inclua todos os seres vivos que habitam o Lagamar. E o nosso planeta.

Elenise Angelotti Bastos Sipinski é bióloga, mestre em conservação da natureza, membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná (OC2) e parceira do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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