O psicólogo canadense Jordan Peterson alcançou fama internacional após uma entrevista na televisão britânica em que, hostilizado por uma militante feminista disfarçada de entrevistadora, conseguiu manter a calma, o foco nos argumentos, e expôs o viés ideológico e os preconceitos daquela que tentava colar no entrevistado a imagem de conservador preconceituoso machista.
O motivo da entrevista era o lançamento do seu novo livro, 12 Rules for Life, um “antídoto contra o caos”. Trata-se de um livro que merece ser lido com certa urgência, pois sua mensagem nunca fez tanta falta ao mundo, dominado pelo relativismo pós-moderno, pela ditadura do politicamente correto e pela marcha das “minorias oprimidas”. É um papo de adulto, para quem quer falar a sério sobre a vida, não para quem busca fugas e ilusões nos “locais seguros” protegidos contra as “microagressões” e qualquer tipo de ofensa.
Os vídeos de Peterson têm feito tanto sucesso justamente porque tocam na ferida, falam aos jovens em busca de algum sentido para suas vidas, de uma estrutura mais ordenada em meio ao caos produzido pelo vale-tudo atual. Essa libertinagem hedonista mascarada de liberdade gera angústia e vazio, e Peterson tenta colocar um pouco de ordem no caos. A busca por um equilíbrio entre ordem e caos é, inclusive, um dos grandes temas do livro.
Ninguém pode viver sem uma bússola moral. Até mesmo os relativistas acabam usando uma, ainda que inconsistente
O vácuo será logo preenchido, e ninguém pode viver sem uma bússola moral. Até mesmo os relativistas acabam usando uma, ainda que inconsistente. Por trás do discurso de tolerância e de não julgamento, muitos mascaram seu próprio ódio, seus preconceitos, enquanto posam de virtuosos nas redes sociais em busca de curtidas e aprovação. Na prática, flertam com o destrutivo niilismo, com o desespero do vazio, aderindo a ideologias radicais que supostamente tampam o buraco.
Já com Freud entendemos que viver em sociedade, ao menos numa civilizada, significa criar freios para nossos apetites, criando regras morais que restringem nossa “liberdade” plena. Os pós-modernistas querem abolir esses freios, quebrar todos os tabus, gritar que “é proibido proibir”. O resultado dessa libertinagem, que vem num crescendo desde a década de 1960, tem sido preocupante, para dizer o mínimo. Tem sido caótico, para ser mais preciso.
Peterson bebe muito de fontes míticas, usando seus arquétipos para transmitir mensagens importantes incutidas na sabedoria dos antigos, enraizadas nas tradições que serviam, como ritos de passagem, para o amadurecimento. As normas sociais, as histórias de heróis, os mitos, tudo isso contribuía para a transformação de jovens em adultos, de meninos em homens, de meninas em mulheres. Havia uma estrutura social, um território mais familiar, que hoje se tornou uma grande mancha.
Bruno Garschagen: Jordan Peterson, ou como vencer um debate tendo razão (12 de fevereiro de 2018)
Onde os “progressistas” enxergam utopias e ilusões acerca da natureza humana, que seria infinitamente elástica e uma tábula rasa, Peterson vê, com mais realismo, bestas humanas que precisam justificar sua existência miserável, o que impõe a necessidade de rotina e tradição, de ordem. Vida é também sofrimento, especialmente para seres humanos com consciência da morte, das doenças, do fardo da existência. Fingir que isso não existe só agrava o problema.
Por outro lado, compreender melhor de onde o animal homem vem pode nos ajudar a suportar melhor o desafio. O livro foge do academicismo e traz exemplos curiosos do reino animal ou do cotidiano do próprio autor. Explicar a tendência natural de busca por status ou hierarquia, especialmente nos homens, com base nas lagostas é um típico exemplo dessa abordagem, que torna a leitura mais leve e divertida, apesar da seriedade do assunto.
Numa época de vitimização em que a maioria tenta colocar a culpa dos males em terceiros ou em abstrações, tais como o sistema ou a sociedade, Peterson nos lembra que o mal está em cada um de nós, sempre à espreita. Se somos monstros em potencial, e reconhecemos isso, então temos mais ferramentas para realmente lidar com tiranias opressoras. Se, por outro lado, vemos o homem como uma santa vítima de forças externas, um cordeirinho inocente, não teremos condições de resistir ao avanço dos lobos.
A fraqueza humana, sua fragilidade, já está representada no mito de Adão e Eva. Quando eles se dão conta de que estão nus, após se tornarem autoconscientes, ficam com vergonha, percebem o quão desprotegidos estão na natureza. Ao ver as diferenças, alimentamos o ressentimento também: a beleza ofusca o feio, a força envergonha o fraco. Isso pode levar ao medo, à inveja, com consequências trágicas, como a história de Caim e Abel nos revela. Eis aí o “pecado original” que está tão fora de moda nos círculos modernos, uma lembrança saudável do que somos capazes de fazer quando movidos por certas paixões ou instintos.
Nossas convicções: Ética e a vocação para a excelência
Daí a importância de se ter uma visão construtiva, uma direção, uma vida com propósito. Não é o vício que precisa de explicação, mas a virtude. Para fracassar na vida, basta cultivar alguns hábitos ruins. É o sucesso que exige explicação, sacrifício constante, determinação, força de vontade. E nesse processo haverá todo tipo de tentação, especialmente do que Peterson chama de “Trindade do submundo”: arrogância, engano e ressentimento.
Muitos de nós estamos constantemente em busca da felicidade, como algum ideal a ser atingido. Peterson não considera isso uma boa receita. Ao perseguir tanto a felicidade, ela acaba sempre nos escapando, gerando seu oposto: mais angústia e frustração. Em vez disso, Peterson recomenda buscar a virtude, uma vida boa, sempre com a gratidão pela própria existência e com a noção de que a dor e o sofrimento estarão ali na esquina, pois são parte inexorável de nossas vidas.
E quanto aos nossos filhos, Peterson recomenda que os eduquemos de verdade, transmitindo responsabilidade, ajudando-os a se tornarem adultos, em vez de tentar protegê-los para sempre dos riscos da vida. Impor limites, saber lidar com sua agressão inata, criar regras claras, estimular o sacrifício presente para ganhos futuros, procurar manter um ambiente familiar saudável em casa, eis algumas dicas óbvias.
Há muito mais no livro, e recomendo a leitura na íntegra. Em tempos de infantilização geral, com tantos “adultescentes” por aí, e com a perversa ideologia de gênero repetindo que homem e mulher são construções sociais, é um bálsamo travar uma conversa com um pensador sério e adulto.
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