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| Foto: Keith Syvinski/Free Images

No primeiro dia do jardim de infância, meu filho voltou para casa me contando que os coleguinhas deviam ficar de castigo porque só ficavam brincando e correndo para lá e para cá em vez de prestar atenção na professora. Já crescido, jogou basquete no Centro Comunitário Judaico, foi fazendeiro no musical Oklahoma! e comemorou o Bar Mitzvah aos 13 anos. Nos meses mais quentes do verão está sempre à grelha, preparando cachorro-quente e hambúrguer para a garotada do bairro.

Só que ele é adolescente e negro, ou seja, deve ser bandido – pelo menos foi o que uma mulher branca escreveu nos comentários de um artigo de jornal que o mencionava – e, infelizmente, é assim também que a polícia de Chicago o vê, assim como muitos outros garotos como ele.

Não interessa que seja de família bem estruturada, que tenha pais amorosos; para o mundo dos brancos, o que interessa é a cor de sua pele. Eles não o veem como meu filho querido, mas sim como um marginal.

Como a polícia sabe quem é e quem não é de gangue?

Assim como eu, ele morre de medo que, um dia, o Departamento de Polícia de Chicago inclua seu nome em sua base de dados, que contém os nomes de 130 mil suspeitos de pertencerem a alguma gangue – sim, porque, se o fizerem, não precisam notificá-lo. E depois, se for parado por algum policial, tem grandes chances de acabar na cadeia, já que a coisa mais fácil para a polícia é inventar uma razão para prendê-lo. Ter o nome nessa lista dificulta até a contratação ou obtenção de licença profissional, pois as empresas provavelmente o encontrarão na hora de fazer a verificação de antecedentes.

Por isso, a plataforma se tornou um dos poucos pontos em comum tanto para os ativistas comunitários como para os políticos eleitos, que concordam que ela é deficiente e precisa de reforma urgente. Inclui jovens que têm “potencial infrator”, mas, na verdade, qualquer um pode ser incluído nessa relação pelas razões mais díspares, como o modo de se vestir, as tatuagens ou o fato de estar sentado na varanda na hora errada. É deprimente, mas não surpreende o fato de mais de 90% desses nomes serem de negros e latinos, sendo que a grande maioria nunca foi presa por crimes violentos, porte de armas ou de drogas.

Como a polícia sabe quem é e quem não é de gangue? Tentar sobreviver na miséria e vivendo um bairro pobre já é difícil demais sem ter de lidar com um sistema arbitrário que pune alguém simplesmente por existir.

Embora Chicago seja uma “cidade santuário”, nossa força policial compartilha sua base de dados com a Agência de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) – que, este ano, deu batida na casa de Wilmer Catalan-Ramirez, um imigrante ilegal. Os agentes o jogaram no chão, fraturando sua omoplata, e o prenderam. Seu nome estava na lista, mas o departamento de polícia admitiu que Catalan-Ramirez não fazia parte de nenhuma gangue. A prefeitura assumiu o processo civil no qual ele deu entrada.

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Para a maioria isso seria um pesadelo, mas, em Chicago, é até uma boa solução, já que, como tantos outros que não têm condições de contratar bons advogados, se não fosse assim o homem teria de lidar com o sistema judiciário local sem praticamente nenhuma ajuda.

O mais triste é que a maioria se sente derrotada. Uma vizinha me contou que o filho foi preso injustamente por ter o nome incluído na tal base de dados por engano. Ela não estava nem zangada, apenas resignada à realidade na qual muita gente vive. É pobre; o que vai fazer? Contratar um advogado para tirar o nome do filho da relação? Ou economizar o que puder para pagar sua fiança quando acontecer o inevitável? Uma escolha impossível, já que a polícia nega o recurso para quem tiver o nome incluído na listagem.

Quando a violência e a criminalidade são a norma, não é de se surpreender que uma comunidade em choque, enfrentando todo tipo de dificuldades, dê carta branca à polícia para caçar os “bandidos”; danem-se os direitos civis. Se as autoridades dizem que são “membros comprovados de gangues”, maravilha, podem tirar todos das ruas.

A perfilagem racial nunca tornou e não tornará a cidade mais segura

Mas e se nem todas essas crianças – sim, porque estamos falando de uma maioria de adolescentes – estiverem envolvidas em atividades criminosas? Bom, se a polícia está falando que você faz parte de uma gangue, é porque deve ser mesmo, não?

Há tempos as autoridades policiais de Chicago atropelam os direitos civis de crianças inocentes, mas a verdade é que ninguém quer saber disso quando mais um sobrinho, vizinho ou filho é assassinado. Só querem que alguém pague, e nada melhor que a lista pronta do Departamento de Polícia da cidade, com os nomes de candidatos em potencial.

O órgão também lança mão da prática do trolling para aumentar o número de prisões, ou seja, paga bônus extra para os oficiais que detiverem suspeitos após o fim do plantão. Aos olhos do mundo, pode parecer até heroico – puxa, a polícia trabalha dobrado para combater o crime. A realidade, porém, é que não passa de uma maneira alternativa de pôr mais gente na cadeia enquanto enche os bolsos dos envolvidos. É o dinheiro do contribuinte posto em uso.

Os problemas tiveram tempo de sobra para crescer e deteriorar nossos bairros, tornando os moradores mais pobres e a violência, cada vez maior. Desesperados em busca de paz e segurança, permitimos que práticas terríveis continuem, como a atualização dessa base de dados. Acontece que há um custo humano resultante dessas medidas e não quero que meu filho, nem ninguém, sofra em decorrência delas. A perfilagem racial nunca tornou e não tornará a cidade mais segura; a única coisa que pode fazer isso são os investimentos reais.

Tamar Manasseh é fundadora e presidente da Mothers Against Senseless Killings.
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