| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Estamos em época de transição de governo, quando a Esplanada dos Ministérios é redesenhada de modo a se adequar à nova gestão. Entre as composições que estão sendo anunciadas, a nomeação de Sergio Moro como ministro e coordenador do grupo de Justiça, Segurança e Combate à Corrupção foi uma das que mais repercutiu. Houve críticas e aplausos. Mas foram poucas as análises de especialistas e profissionais que atuam na área sobre as decisões tomadas pelo futuro ministro. Na verdade, dada a competência e a qualidade do trabalho realizado em prol da nação pelo juiz Moro, fica difícil criticar qualquer iniciativa do magistrado que conseguiu mobilizar os brasileiros em favor da histórica Operação Lava Jato.

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Apesar de desfrutar de prestígio e de ser alçado à categoria de herói nacional, é importante questionar a formação que o futuro ministro está construindo e suas consequências na nova ótica do combate à corrupção e ao crime organizado. Como defensor incondicional da Lava Jato, mesmo tendo sido atacado por muitos e até por membros da minha própria corporação, espero que Moro não se limite a escolher integrantes da força-tarefa. Com certeza são excelentes profissionais, mas há também outros nomes além dos delegados da República de Curitiba.

O Ministério da Justiça tem como função fazer a defesa da ordem jurídica e dos direitos políticos e constitucionais. Isso quer dizer que o ministério cuida da proteção da lei com o objetivo de garantir a segurança pública, a defesa do cidadão e a justiça no Brasil. Tentar “transportar” uma estrutura que deu certo na Lava Jato para combater todos os tipos de crimes e organizações criminosas do país pode se mostrar mais complicado que o previsto. A corrupção sistêmica enfrentada pelo juiz e sua equipe é uma vertente diferente, com sua peculiaridade operacional, da realidade de combate ao crime organizado, à corrupção e ao narcotráfico.

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Transportar uma estrutura que deu certo na Lava Jato para combater todos os tipos de crimes e organizações criminosas do país pode se mostrar mais complicado que o previsto

Além de replicar o modelo da Lava Jato de atuação em forças-tarefas da PF, da Receita Federal e do Ministério Público Federal, Moro tem estudado e debatido planos para uma guerra silenciosa contra as facções criminosas, no campo legal. Dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi criada a “Secretaria de Operações Policiais Integradas”, para coordenar operações policiais em nível nacional. No entanto, muitos grupos e atividades criminosas transcendem as fronteiras estaduais. O novo órgão já nasce com a possibilidade de criar um conflito de interesses junto ao Departamento de Polícia Federal, de diminuir seu papel, retirando seu protagonismo, reconhecido nas grandes operações de outrora. A Agência Brasileira de Inteligência prestará o apoio administrativo à Força-Tarefa de Inteligência ligada ao GSI para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil, como define o artigo 4.º do decreto assinado pelo mandatário. Fica claro que a Abin, uma das convidadas para a força-tarefa, terá seu papel reduzido a funções “administrativas” – no caso, uma inversão funcional; na verdade, o secretário-executivo do GSI teria de ser um oficial de inteligência para aproximar mais o presidente e o GSI da Abin. São muitas as forças-tarefas, as organizações e instituições, as leis, muito dinheiro público gasto e muitos também são os anos de dedicação ao combate ao crime, com ainda pouca efetivação.

Há, claro, boas medidas no planejamento de Moro, que podem representar duro golpe para as facções, como a atenção prometida ao controle sobre a comunicação entre detentos nos presídios de segurança máxima. Esse controle é hoje feito por pessoas passivas de ceder a uma pequena ameaça, banalmente praticada pelo PCC, CV e afins. E os advogados? O envolvimento político do PCC, seu crescimento baseado na divisão territorial e em alianças com outros grupos, como o CV e demais organizações criminosas, foram uma estratégia perfeita; nem o Estado percebeu tamanho crescimento em tempo hábil, fato que mostra a sua incompetência em comparação com o grupo criminoso. Dados deste ano indicam que, no Brasil, só o PCC tenha mais de 30 mil afiliados – homens e mulheres. A cada ano são mais 2 mil novos integrantes. A facção cresceu, em quatro anos, seis vezes seu tamanho inicial – coincidentemente, no período entre o governo atual e a vitória do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Leia também: Principal desafio da segurança no novo governo é conter a ansiedade por soluções (artigo de Marco Antônio Barbosa, publicado em 22 de novembro de 2018)

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O novo Ministério da Justiça ampliado deverá incorporar a Secretaria de Segurança Pública e parte das atribuições da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), importante ferramenta para o combate a crimes financeiros.

Na área da segurança pública, houve algumas fases que não acarretaram muito sucesso ou nenhum sucesso, principalmente nas unidades da Federação cujas secretarias de Segurança eram comandados por militares, em especial os com patente de general. Depois chegou a vez da Polícia Federal, com seus delegados juristas, quando de novo houve uma piora nos índices de segurança e proteção ao cidadão. No Departamento de Polícia Federal houve um retrocesso ainda maior com a chegada ao poder da turma de 1993, e que continua mandando até hoje, disfarçada por meio de trocas de função e adidâncias no exterior, alguns mudando de embaixada como se pertencessem aos quadros da área diplomática. A politização nos quadros da Polícia Federal é ditada pela associação e pelo sindicato de funcionários, que influi até na composição do organograma da instituição. Nada passa sem o aval da sua associação, onde é pautada inclusive a atuação do diretor-geral.

Nessa fase complexa de transição, um cuidado especial deve ser tomado não somente com a indicação de nomes do escalão superior, de diretores e secretários. Os níveis abaixo desse primeiro escalão representam a peça-chave de conhecimento acerca de tudo que envolve o órgão. É necessário ouvir aqueles que realmente “carregam o piano” para uma melhor compreensão das demandas do setor. Quando as trocas ocorrem, se o ministro ouvir apenas seu antecessor, não terá a visão real do contexto de trabalho, em parte devido ao aparelhamento realizado em todos os níveis pela esquerda. Compreender as mazelas internas contribui para a tomada de decisões mais acertadas sobre as futuras estruturas governamentais.

Carlos Arouck é agente da Polícia Federal, com formação em Direito e Administração e especialização em Gerenciamento Empresarial, e ex-instrutor da Academia Nacional de Polícia.