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Ciência, inovação e tecnologia: o futuro do país
Ciência, inovação e tecnologia: o futuro do país| Foto: Pixabay

Para a ciência, a virada de 2021 para 2022 pode representar uma mudança no atual cenário catastrófico de investimentos públicos, cortes de verbas e incentivos. Só em outubro do ano passado, o Ministério da Economia decidiu cortar do orçamento 90% dos recursos que seriam destinados a vários projetos científicos, inclusive a bolsas e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A verba destinada para a ciência, que era de R$ 690 milhões, vai ficar em apenas R$ 55,2 milhões.

A situação estudantil no corte da pós-graduação é especialmente difícil e, na pesquisa, foi o pior ano que já presenciei na minha vida. Os estudantes que fazem pós-graduação, e que são responsáveis pela pesquisa de ponta com contribuição maiúscula, vivem com salários minúsculos. Se não fossem os pais, estariam completamente retirados da pesquisa, com perdas gigantescas.

Pela primeira vez em toda a minha carreira tenho estudantes sem qualquer auxílio. Há estudantes com família vivendo praticamente na pobreza.

Muito triste e desalentador. O nosso projeto, o radiotelescópio Bingo, sobreviveu graças à Fapesp e ao governo da Paraíba, já que será instalado lá, no sertão do estado. No entanto, devo dizer que os estudantes foram verdadeiros heróis.

Mas 2022 pode também ser o momento de uma virada. Até o fim deste ano, teremos eleições e os candidatos, se pressionados pela opinião pública, poderão refazer o compromisso com a ciência e voltar a investir nesse setor, que é estratégico em qualquer país que tem pretensão de um futuro melhor. Os dados confirmam: os quatros países que mais investem em pesquisa estão na frente em inovação: Coreia do Sul e Alemanha investem quase 4% do PIB em pesquisa; Japão e Estados Unidos repassam cerca de 3%. No Brasil, esse montante é um pouco maior que 1%. E vale lembrar: essas quatro nações têm PIB maior que o nosso. Ou seja, elas direcionam mais dinheiro não só porcentualmente, mas também em números absolutos.

A pandemia da Covid-19 deixou ainda mais clara a distância entre os países líderes em ciência. Nos EUA, só para pesquisas envolvendo a Covid-19 foram destinados mais de US$ 6 bilhões; no Brasil, apenas US$ 100 milhões. As vacinas vêm se mostrando efetivas na preservação de milhares de vidas e, graças à ciência, foram desenvolvidas em tempo recorde. E, embora o cenário atual tenha mostrado a importância do investimento em pesquisa, a ciência está presente além da medicina. É o caso do radiotelescópio Bingo, inédito no país e que conta com pesquisadores do Brasil, China, África do Sul, Reino Unido, Coreia do Sul, Portugal e França. O objetivo é explorar novas possibilidades na observação do universo a partir do céu brasileiro. Entender e conhecer o nosso céu pode trazer conhecimentos importantes e estratégicos sobre o que acontece sobre nós, quais fenômenos – que tipo, por exemplo, de satélites – estão passando por aqui. É informação importante para toda a sociedade.

Há outro ponto importante que devemos enfrentar. O Brasil sempre foi um país de imigração, assim como os Estados Unidos já o foram e ainda são. O imigrante traz uma energia sem igual, e é uma força importantíssima no desenvolvimento. Hoje ninguém quer vir mais ao Brasil; pelo contrário, estamos perdendo gente. Tenho três pesquisadores de altíssima qualidade no projeto que estão fora, dois na Alemanha e um na China, todos muito bem. E outros vão sair.

Na lista das nações que mais atraem talentos, o país também caiu muito em quatro anos, perdendo 28 posições. É necessário mudar isso para que possamos ter esperança em um país melhor no futuro. Por isso, o brasileiro que agora vê, ainda mais claramente em seu dia a dia, o potencial da ciência deve cobrar propostas, investimentos e a valorização da pesquisa em inovação e tecnologia.

Nenhum país que conseguiu se desenvolver negligenciou essa parte, como vem acontecendo no Brasil, em um governo que não só corta verbas do setor, mas menospreza fatos, conhecimento científico e as universidades públicas, as principais fomentadoras de pesquisa no Brasil.

Há cerca de 80 anos, Henry Luce, em importante editorial da revista Life, falava do “século americano”, baseado na grande ciência e grandes negócios. Foi assim que os Estados Unidos dominaram o século 20. A ciência foi a mola mestra de seu desenvolvimento. O Vale do Silício trouxe desenvolvimento sem precedentes aos Estados Unidos. Na verdade, este protagonismo científico é algo universal. Costumo dizer que Luís XIV vivia pior que a maioria da população mundial de hoje. As crianças morriam de varíola, sarampo ou cólera. Os reis precisavam ter muitos filhos para que um deles pudesse sobreviver e substituir o pai. A expectativa de vida era pequena, poucos chegavam ao 60.º aniversário. Do início da era cristã ao século 17 a evolução da economia foi pífia. Nos últimos 300 anos, em vista do desenvolvimento científico, o mundo evoluiu. A economia aumentou de modo sem precedentes. A mecânica quântica, teoria extremamente abstrata do início do século 20, propiciou desenvolvimentos novos, a eletrônica moderna, os semicondutores e o computador moderno.

Sem estes desenvolvimentos estaremos, no Brasil, fadados a exportar soja, às toneladas, para importar iPhones, cuja unidade equivale a várias toneladas de soja. Somos explorados por meio da ignorância. Nossos estudantes, em que aplicamos grandes recursos e que poderiam ser a inteligência do país, desanimam e vão a outras partes. Os Estados Unidos recolhem muitas destas inteligências. Estamos perdendo o passo para um Brasil melhor. A insistência em procedimentos anticiência na crítica indevida à universidade, a falta de apoio à ciência pode levar o país de volta a uma era de pobreza e desqualificação geral.

Mas 2022 também pode representar uma virada para a ciência brasileira. Recuperar o que foi perdido será árduo, mas possível. E conseguir olhar para frente com mais otimismo no desenvolvimento do país. Nossos pesquisadores e instituições são resilientes e vêm sobrevivendo com o esforço de nossa mão de obra. Mas estamos chegando ao nosso teto, e é preciso que toda a sociedade olhe para a ciência como uma das formas pelas quais podemos melhorar a vida de todos nós.

Elcio Abdalla é físico teórico, doutor com pós-doutorado, professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e coordenador do Projeto Bingo, radiotelescópio brasileiro que está sendo construído no interior da Paraíba e fará o mapeamento na parte escura do universo.

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