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 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Meu objetivo aqui não é encontrar o certo ou errado para dialogar sobre o projeto de lei “Escola Sem Partido”, mas refletir e compreender o que pode estar por vir se for colocada em prática a proposta de tornar obrigatória a afixação de um cartaz em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio com os seis tópicos previstos pelo projeto. Aqui, abordarei os quatro tópicos mais polêmicos:

1. O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;

2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas;

3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;

4. O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;

É importante pensar que cada instituição familiar e ser humano tem seus valores, concepções e opções; dentro desta perspectiva, seguirá o seu caminho, e dificilmente esta família ou pessoa considera se desvincular desses valores, pois fazem parte do seu eu, independentemente dos momentos vivenciados, profissionais ou pessoais. Compreende-se que o ser humano é formado de dimensões cognitivas, afetivas e sociais, e assim ele se relaciona com o meio em que vive. A orientação dos responsáveis durante sua formação é primordial e, quando for necessário matricular esse filho na escola, será pertinente escolher aquela que tem o mesmo perfil da sua educação, princípios, valores e convicções; do contrário, a família terá possíveis problemas e situações para resolver mais adiante.

O professor não levantará bandeira política ou partidária, mas é papel dele formar cidadãos esclarecidos

O que acontece com o projeto “Escola Sem Partido” é acreditar que as pessoas não podem mais agir com suas convicções, valores ou direito de expressão: se o professor atualmente é um mediador, como ele pode entrar em sala de aula e não formar um cidadão reflexivo, questionador, com um raciocínio lógico adequado e conhecimento de mundo para cobrar seus direitos em qualquer segmento da sociedade?

António Nóvoa, em palestra recente, disse que a escola tradicional perdeu o brilho que já teve anos atrás, e hoje vivemos um momento de crise. A mudança deve ocorrer já ou entraremos em uma degradação da escola. Como é possível relacionar as palavras do autor com o Escola Sem Partido? Pode-se iniciar ao refletir sobre a formação de seres pensantes, reflexivos, conscientes de seu aprendizado, de suas crenças, valores e princípios; ou, ainda, com a questão de ter o professor como um mediador que pode dialogar com o aluno sobre vários assuntos, pois ambos são parte da sociedade civil. A história é parte da escola; como o professor pode estar em sala de aula conversando com os alunos sem trazer um pouco dos momentos e movimentos da sociedade, a gestão do seu estado, do seu país, as implicações e os progressos?

Como um projeto pensa em ser parte da escola com o pressuposto de que “o professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”? É uma opção do responsável escolher determinada escola para o seu filho. No caso da rede pública, ela é sem partido e religião. No entanto, algumas seguem uma linha filosófica. O cuidado deve ser dos responsáveis.

Leia também:O Escola sem Partido e seus inimigos (artigo de Miguel Nagib, publicado em 26 de julho de 2016)

Opinião da Gazeta:A reação à doutrinação nas escolas (editorial de 10 de junho de 2017)

Outra frase que estaria no cartaz afirma que “o professor não fará propaganda político partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. Com certeza, o professor não levantará bandeira política ou partidária, mas é papel dele formar cidadãos esclarecidos, preparados para o mundo e para escolher seus dirigentes. Caso o aluno tenha interesse em saber como ocorrem as passeatas ou manifestações, o professor deve ter a oportunidade e livre arbítrio de trabalhar a questão com clareza, a fim de levar o conhecimento para o aluno sem causar danos morais, de crenças e valores.

Paulo Freire diz que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Em suma, pode-se compreender que atualmente o cidadão está amparado no artigo 5.º, inciso IV da Constituição, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e também quando se remete à “liberdade de consciência e de crença e a liberdade de aprender dos alunos (artigo 5.º, VI e VIII; e artigo 206, II, da Constituição). Desta maneira, é importante ter consciência do papel da escola e do professor em formar cidadãos com habilidades e potenciais para, diante do conhecimento de mundo adquirido, escolher suas crenças, convicções religiosas e partidárias, pois, como Freire bem pontuou, “seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.

O papel do professor também é mostrar de maneira coerente como o ser humano pode exercer o seu direito de cidadão, e por vezes é necessário que ele enxergue os caminhos por meio da política que gere o seu estado ou país.

Ana Regina Caminha Braga é escritora, psicopedagoga e especialista em educação especial e em gestão escolar.
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