Ouça este conteúdo
Recentemente, grupos liberais e associações empresariais uniram-se em uma campanha de desinformação sobre a PEC 45 de Reforma Tributária, elaborada pelo economista Bernard Appy. Nada mais irônico que um país que tenta, sem sucesso, realizar esta reforma e enquanto tem sua maior janela de oportunidades, é sabotada pelo principal beneficiário: o próprio setor produtivo.
O mote de grupos como o Brasil 200, que até recentemente defendia uma gigantesca CPMF, é que o novo modelo proposto pela PEC 45 aumentaria a carga tributária com a implementação do IBS (Impostos de Bens e Serviços). A afirmação é mentirosa, mas, tem algum fundamento.
No atual sistema, os cinco impostos sobre o consumo (ICMS, ISS, PIS/COFINS e IPI) têm diferentes incidências e alíquotas para cada tipo de atividade econômica. Por isso, enquanto a carga tributária média de mercadorias é de 17%, os impostos sobre os serviços têm uma média 5%.
Se a PEC 45 for aprovada, os cinco impostos seriam condensados em um IVA (Imposto de Valor agregado), com alíquota única que só poderá variar entre estados e municípios, não mais entre produtos. É a partir daí que surge a desinformação: algumas empresas sim vão pagar mais impostos, mas não haverá aumento de carga tributária.
A iniciativa de uniformizar as alíquotas não possui apenas o objetivo de distribuir de maneira equitativa o financiamento do Estado brasileiro, mas também garantir um sistema mais funcional e justo, com estas três principais consequências.
Aumento da produtividade
Quando se analisa a produtividade brasileira, estamos estagnados desde a década de 60; e na verdade, a pior parte é que nossa Produtividade Total dos Fatores apresenta queda desde 2010. Isso quer dizer que, com a mesma quantidade de pessoas (capital humano) e máquinas (capital físico) trabalhando produzimos menos hoje que há 10 anos atrás.
A principal explicação para isso é que sofremos um processo de má alocação de capital; ou seja, nossa economia, por diversas razões, optou por realizar atividade menos produtivas que o normal.
Um exemplo claro disso ocorreu durante o governo Dilma, com uma série de intervenções desastradas que alteraram nosso arranjo produtivo, como regras de conteúdo local, desonerações fiscais e crédito subsidiados. Assim, atividades que não seriam realizadas normalmente tornaram-se opções atrativas. Como a quantidade de recursos é limitada, o Brasil, como um todo, acaba ficando mais pobre.
Mas o que isso tem a ver com a PEC 45? Absolutamente tudo! Nosso sistema tributário atual, ao produzir regras diferenciadas para cada setor, acaba alterando a alocação natural dos recursos. Ao estabelecer uma alíquota única, atividades mais improdutivas tenderão a acabar, e haverá mais recurso para setores que atualmente estão sufocados voltarem a produzir de maneira plena.
Estima-se que o Brasil possa aumentar sua produtividade em 146% resolvendo apenas o problema de má alocação de capital. Em jargão liberal, a PEC 45 vai garantir que o mercado seja realmente livre no Brasil, permitindo a competição entre as empresas. Mas, às vezes, parece que é difícil ser liberal quando é necessário cortar da própria carne.
Redução da burocracia e dos litígios
A multiplicidade de alíquotas gera um inferno burocrático. Um exemplo simples é um microempresário que tem um e-commerce e precisa calcular, a cada venda, qual é a alíquota dos seus diferentes produtos para cada uma das diferentes 27 unidades federativas.
Como consequência, uma empresa gasta, em média, 1.501 horas por ano para fazer o pagamento de impostos. Não é de se espantar que estamos nas últimas posições do Ranking Doing Business no quesito da facilidade de se pagar impostos.
Mas, infelizmente, esse não é o único problema do nosso sistema. Ao estabelecer diferentes alíquotas para diferentes produtos, como cobramos de produtos que não tem uma categoria clara? Bem, elas vão parar na justiça!
Um dos casos mais emblemáticos é o exemplo (recorrentemente usado pelo economista Marcos Lisboa) sobre o Crocs — que teve um processo por anos no Carf para saber se o IPI cobrado deveria ser de uma sandália ou de um sapato.
Quando se compara a quantidade de litígios tributários no Brasil com o resto do mundo, os números são assustadores. Apenas considerando os processos em instâncias administrativas, o contencioso tributário no Brasil é de 16%, enquanto a média da OCDE é 1%.
Cada processo tributário também representa uma parcela de recursos sendo desperdiçada e, novamente, o país acaba ficando mais pobre. É inacreditável pensar que um grupo de empresários está lutando a favor dessa burocracia.
Progressividade
Por último, nossa maneira de tributar o consumo prejudica os mais pobres. Como dito acima, enquanto a tributação de mercadorias é, em média, 17%, a de serviços chega a 5%. Porém uma família pobre consome apenas 9% da sua renda com serviços, enquanto famílias ricas gastam 31%.
Com a uniformização das alíquotas, teremos um sistema tributário mais progressivo e que onera proporcionalmente menos a parte inferior da pirâmide, mostrando que a reforma tributária também pode reduzir desigualdades e promover justiça social.
Atualmente o Brasil vive um momento inédito: nunca estivemos tão próximos de aprovar uma reforma tributária nessa escala. Pela primeira vez, os estados chegaram a um acordo que o atual sistema é inviável e o parlamento mostra-se aberto a aprová-la neste semestre.
Porém, assim como no livro “O Leopardo”, de Tomasi di Lampedusa, que retrata como uma parcela da elite italiana resistia às mudanças sociais do século XIX, parte do empresariado brasileiro adota a máxima de: “Algo deve mudar para que tudo continue como está”.
É claro que podemos pensar em um modelo de transição que torne mais suave para os setores que serão mais onerados futuramente, mas o caminho não é por meio de Fake News e campanhas de desinformação.
*Matheus Hector é formado em economia pelo Insper, já trabalhou na formulação do cenário regulatório de criptoativos e agora se dedica assuntos voltados a Reforma Tributária. É associado ao Livres e fundador do Consilium.