Quieto neste canto de página, com assunto sobrando na pré-campanha eleitoral de muitos xingamentos e poucas propostas, não tinha a intenção de meter o bedelho na sofrida Copa do Mundo, coberta pelo mais numeroso e eclético elenco de jornalistas jamais mobilizado por um evento esportivo.
Mas a manchete da página 13 do caderno Copa/2006 (de O Globo da última sexta-feira) "Para Parreira, um reencontro" cutucou velhas lembranças, logo superadas pelo espanto diante do inexplicável. A excelente matéria, assinada pelo repórter Rodrigo March, apóia-se nas reminiscências do técnico Carlos Alberto Parreira, reunidas no livro de memórias recém-lançado "Formando Equipes Vencedoras", texto de Ricardo Gonzalez, que recolheu o depoimento do autor.
Pois com tantas escoras da veracidade, logo às primeiras linhas que recuperam as antigas ligações de Parreira com a história do futebol de Gana, esbarro com a versão estapafúrdia que não se sustenta em pé com um sopro da verdade. Para calcar a informação exata de que foi em Gana que o celebrado técnico da nossa seleção começou a carreira de treinador profissional de futebol, junta o detalhe precioso: Parreira foi indicado ao governo de Gana por professores da antiga Escola Nacional de Educação Física e Desportos da UFRJ, onde se formara.
Perdoem os prezados colegas, mas cobrem do Parreira a estranha trapalhada. Realmente, não é comum que alguém esqueça os episódios marcantes que mudaram o seu destino.
Posso depor como testemunha. E vou desentortar a versão com o simples registro de fatos. Na dança do rodízio dos cinco generais-presidente dos quase 21 anos da ditadura militar, o segundo, que sucedeu ao presidente Castello Branco, foi o ousado representante da linha-dura, Arthur da Costa e Silva, que tomou posse em 15 de março de 1967. Na montagem do ministério, para um afago no líder civil do golpe de 1.° de abril de 1964 que se desentendera com o antecessor, convidou o ex-governador de Minas, José de Magalhães Pinto, para o Ministério das Relações Exteriores.
Um convite um tanto inusitado a um banqueiro que se afirmou como hábil político em carreira ascendente. E que só pensava em chegar à Presidência da República, o último degrau do sonho não realizado.
Magalhães Pinto não pensou duas vezes: aceitou de estalo. E no mesmo instante passou montar o esquema para saltar do Itamarati para o Palácio do Planalto.
Entrei na roda com o convite para assessor especial. Explicação dispensável: Magalhães convocava o repórter político da sua estima para ajudá-lo na empreitada.
Ora, o Itamarati podia e devia prestar assistência aos brasileiros no exterior que necessitassem de ajuda. Daí à idéia dos almoços em grande estilo, nos nobres salões do palácio dos cisnes, então ainda em uso, com representantes de cada seguimento da sociedade com efetivos interesses no exterior a serem atendidos.
E foi um sucesso que durou pouco: até 13 de dezembro de 1968, com a edição do fatídico AI-5, que arranca a máscara da ditadura assumida na escura noite do terror, das delações, das violências, da censura. E a lista dos encontros com a sociedade parou no quarto almoço: música popular, cientistas, esporte amador, futebol e fecha-se a cortina.
Nunca o Itamarati na antiga capital conheceu sucesso igual à recepção aos dirigentes, técnicos, jogadores e jornalistas, selecionados com cuidado. A chegada de Pelé com os convidados de São Paulo parou o trânsito na Rua Larga e o expediente no Ministério.
Chegamos ao ponto exato. Para assegurar a seriedade objetiva do esquema, de cada encontro resultava a formação de uma comissão para, no menor prazo, formalizar a proposta de portaria do ministro Magalhães Pinto fixando as normas para o atendimento do acertado. Todas foram oficializadas e postas em execução.
A comissão do futebol, composta pelo exemplar diplomata, então no início da carreira até embaixador, Jório Salgado, e o saudoso e excepcional jornalista Geraldo Romualdo da Silva, foi perfeita na simplicidade das soluções: delegações esportivas brasileiras no exterior seriam assistidas por um diplomata especialmente designado.
Poucas linhas para o fim da conversa. A notícia correu o mundo e farta correspondência. Do governo de Gana, o MRE recebeu ofício solicitando a indicação de um técnico brasileiro de futebol para treinar a seleção ganês. Apelei para o amigo Teixeira Heizer, então editor de esporte da sucursal do Estadão, para descobrir o candidato entendido em bola e que soubesse falar inglês. Entre outros nomes, o repórter José Castelo lembrou o do jovem Parreira, com 23 anos, treinador físico do São Cristóvão.
Repassei nome e telefones ao Jório Salgado que convidou Parreira. Depois de breve teste de um bate-papo em inglês, aprovado com distinção, o nome de Carlos Alberto Parreira foi solenemente recomendado ao governo de Gana.
O resto da história entra nos trilhos da verdade, depois dos solavancos no imprevisto buraco na memória do preciso montador de esquemas nos quatro cantos do mundo.
E nem por artes do acaso: a foto do jovem Parreira e do ministro Magalhães Pinto, ladeando o então embaixador de Gana, Yaw Bamful Turkson, em 1967, foi tirada no gabinete do ministro, no Palácio Itamarati, exatamente quando o técnico foi apresentado ao embaixador para oficializar o convite.
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