O ditador chinês, Xi Jinping, realizando um discurso para militares na última quinta-feira (6).| Foto: EFE/EPA/XINHUA/LI GANG
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O quão rica já é a China? Ou então, o quão pobre ainda é a China? Qual o grau de alavancagem de suas empresas? Qual o grau de endividamento de seus bancos, seguradoras e governos locais? E principalmente, o quão sustentável é o crescimento da economia chinesa?  Resumidamente, esses parecem ser os questionamentos que mais assustam os economistas para os próximos anos, reflexão essa que se intensifica em meio à baixa confiabilidade dos dados econômicos compartilhados por Pequim, sem qualquer crivo paraestatal, isto é, de agências independentes de avaliação de risco (Moody’s, Fitc, Standard&Poor etc).

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A verdade é que, respondendo às perguntas, ninguém sabe com exatidão suas respostas. Ao contrário do que a opinião leiga possa achar a China continental ainda é um país extremamente fechado em quesitos de transparência, accountability e governança estatal, cultura que também é replicada por suas grandes empresas. Se lembrarmos que se trata, afinal, de um regime totalitário de esquerda, talvez nós lembremos que esse obscurantismo na divulgação de estatísticas oficiais não é de todo novo, tendo sido comum até o fim da malfadada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Na prática, a intensificação do culto a Xi Jinping representa o adiamento da democracia na China continental.

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E mais: a despeito do desenvolvimento recente das grandes metrópoles chinesas, a maior parte do país ainda é extremamente pobre e rural, dependente de técnicas de cultivo pós-medievais. Daí resulta um dos casos de maior desigualdade social já criadas pela história humana, o contraste entre a riqueza de Xangai, Pequim e Guangzhou, politicamente representada por sua elite empresarial multibilionária, e a pobreza do interior do país, cujo campesinato (embora o mais subjugado) constitui a base mais leal do Partido Comunista Chinês (PCC).

Mas então como equilibrar esses dois grupos políticos tão distintos e opostos? A resposta chinesa é a “renascença” do modelo maoísta-stalinista de culto ao líder, como força centralizadora do poder nacional, capaz de coibir qualquer manifestação de contrariedade ao “pai da nação”. É nesse cenário paternalista que a mídia chinesa tem intensificado a propaganda estatal em favor de seu secretário-geral Xi Jinping, agora que ele foi reeleito para seu terceiro mandato.

É neste “líder” que repousa a esperança do PCC e a desesperança da população, para postergar qualquer demanda por reforma política no futuro imediato.

Aprofundando, se lembrarmos do fim da URSS, com seu colapso econômico, político, militar e social, poderemos concluir que um evento semelhante aguarda a ditadura instalada em Pequim, quando seu modelo de crescimento econômico finalmente se esgotar, e pior, num cenário que oporá a massa de trabalhadores ainda pobres e a elite faraonicamente rica.

É esse temor, esquecido por nós ocidentais, fascinados com o progresso econômico chinês, que não foi esquecido pela cúpula do Partido Comunista Chinês, que começa a demonstrar sinais de que aguarda um período de instabilidade para os próximos anos. Talvez instabilidade tão grande, que exija uma nova Revolução Cultural nos moldes de 1969, como segunda tentativa de dominação ideológica e supressão de qualquer oposição organizada.

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A principal evidência dessa nova política de culto ao líder reside na consolidação de Xi Jinping como déspota declarado do regime, característica essa que era incomum à China comunista, pelo menos desde o falecimento de seu ex-líder Mao Tsé-Tung. Isso porque, com evidências cada vez maiores de arrefecimento do “milagre chinês”, como a crise imobiliária de Evergrande e os menores índices de crescimento, o descontentamento de sua população parece aproximar-se de uma nova fase, de demanda por abertura política.

No momento oportuno, a verdadeira revolução virá e não será a revolução que o PCC almeja, por mais tempo que o fortalecimento do Xi Jinping possa lhes garantir.

Um exemplo mais explícito desse descontentamento seriam as manifestações de Hong Kong por eleições livres, universais, periódicas e idôneas. Por outro lado, embora sejam esparsas as mobilizações populares contra o PCC, pelo menos desde o massacre da Praça Celestial (1989), esse descontentamento geral da população contra o partido é melhor identificado nas redes sociais e fóruns de discussão que conseguem fugir da supervisão do Estado. É na internet que reside o maior medo da alta burocracia chinesa, na tensão constante de que os jovens mobilizem suas críticas nos moldes da Primavera Árabe, culminando em revoltas populares que fujam a capacidade de repressão do regime comunista.

Por isso, a prorrogação do terceiro mandato de Xi Jinping e a intensificação da propaganda estatal em torno de sua “liderança”. Essa prática, em si, não é natural nem mesmo ao PCC, que sempre preferiu uma oligarquia burocrática a uma autocracia centralizada, haja vista o risco na ascensão de um líder “todo-poderoso”. Ocorre que o Partido parece não ter outra opção. A população chinesa tem pleno conhecimento do grau de corrupção de seu regime político, e não nutre nenhuma lealdade pelo partido central. Os burocratas, ainda mais que a população, são cientes dos desvios públicos e das ilegalidades que sustentam sua permanência no poder, e concebem que essa prática torna-se, cada vez mais, insustentável com o aumento do grau educacional da população.

Diferentemente de nós, os chineses sabem que seu crescimento suscita questionamentos muito mais alarmantes do que podemos, nós ocidentais, nesse momento especular. A verdade por trás do sistema de crédito do país pode ser muito mais assustadora do que as recentes “bolhas imobiliárias” têm revelado. Se importantes setores como a construção civil estiverem verdadeiramente saturados, o PCC perderá seu controle sobre o crescimento econômico, o que fragilizará seu controle político sobre a população reprimida.

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Para concluir, o maior medo do PCC não é o baixo crescimento dos próximos anos, como razão imediata. Essa preocupação é apenas acessória, irrelevante se não fosse necessária a sustentação do regime. O maior medo é a perda da legitimidade política do partido que decorrerá do baixo crescimento no futuro, e que pode suscitar demandas populares por abertura política, quiçá, o impensável até então, demandas por efetiva democracia.

É contra esse cenário que o PCC começa a se preparar, por meio do fortalecimento do culto stalinista de seu atual autocrata, o ditador Xi Jinping. É neste “líder” que repousa a esperança do PCC e a desesperança da população, para postergar qualquer demanda por reforma política no futuro imediato. Na prática, a intensificação do culto a Xi Jinping representa o adiamento da democracia na China continental. Frise-se o adiamento, não o esquecimento. A democracia permanece viva, por enquanto, apenas como sonho no imaginário dos jovens chineses, que se revoltam nos fóruns de discussão da internet compartilhando os casos de corrupção envolvendo o governo central. No momento oportuno, a verdadeira revolução virá e não será a revolução que o PCC almeja, por mais tempo que o fortalecimento do Xi Jinping possa lhes garantir.

Rhuan Fellipe Cardoso da Silva, Advogado, pós-graduando em Direito Internacional e porta-voz do movimento Democracia Sem Fronteiras Brasil.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]