A sociedade contemporânea é marcada pelo excesso de informação. Notícias sobre o clima, a safra agrícola, a bolsa de valores e o índice Nasdaq, a Lava Jato, ataques terroristas do Estado Islâmico, a desclassificação da Itália para a Copa da Rússia, onde Caetano estacionou no Leblon, a reforma da Previdência etc. Novelas, filmes, publicidade. Estamos imersos em informação. Para se ter uma ideia mais palpável, uma única edição semanal da Gazeta do Povo, por exemplo, contém mais informação do que um brasileiro do século 19 recebia ao longo de toda a sua vida.
Mas e a política? Se estamos falando de excessos, no cenário político isso não é diferente. Em 2017 temos 35 partidos políticos registrados e uma fila com mais 66 solicitações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Podemos passar de 100 siglas partidárias! Atualmente temos PMDB, PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSB, PSDB, PTC, PSC, PMN, PRP, PPS, PV, PTdoB, PP, PSTU, PCB, PRTB, PHS, PSDC, PCO, Podemos, PSL, PRB, PSol, PR, PSD, PPL, PEN, Pros, SD, Novo, Rede, PMB. Uma verdadeira sopa de letrinhas que deixa qualquer cidadão confuso, certo? Agora, imagine mais outras 66 legendas...
A construção de marcas fortes e consolidadas, com espaço definido na mente do consumidor (brand awareness), não é somente algo desejável no universo corporativo, partidos políticos inclusos, mas é a própria garantia de sobrevivência num mundo de excessos informacionais no qual a captura da atenção é a porta de entrada para a conversão de intenções em ações, de lembranças em votos. A preferência partidária mensurada pelo Datafolha em junho deste ano indica o PT com 18% de lembrança, seguido por PSDB e PMDB, com 5% cada, PSol, PV e PDT com 1%, outros partidos com menos de 1% e, sem preferência alguma, 59% dos entrevistados. Vale destacar que ser lembrado não necessariamente significa associar o partido a propostas ou valores.
Soma-se a este cenário de indistinção entre marcas de partidos políticos a forte rejeição a este tipo de agremiação e um descrédito generalizado em relação à política e às instituições públicas a ela associadas, como pode-se notar em uma série de pesquisas sobre o Índice de Confiança Social (ICS), realizada pelo IBOPE Inteligência. Em uma escala que vai de zero a 100, sendo 100 o índice máximo de confiança, os partidos políticos vinham na lanterna desde 2009, mantendo a última colocação do ranking, estabilizados desde 2015 entre 17 e 18 pontos. Só foram superados, em 2017, pela rejeição à Presidência da República, representada por Michel Temer (PMDB), que acaba por personificar a ojeriza do brasileiro à classe política. Como destacou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em recente palestra na Universidade de Columbia, em Nova York, “os partidos políticos perderam a sua credibilidade”.
Este tipo de ação tática não mexe com os valores que impregnam o DNA do partido
A grande quantidade de partidos políticos, que gera falta de identificação ideológica junto aos cidadãos; a percepção de que a política consiste numa busca pragmática por grupos de interesses que visam seus próprios benefícios (cargos e negócios); e a reverberação midiática de casos de corrupção envolvendo políticos e partidos podem explicar a grande rejeição ao sistema político como um todo que, em seu conjunto, ocupa as seis últimas posições das 18 instituições pesquisadas, como retrata a pesquisa do Ibope (governo local, 38%; sistema eleitoral, 35%; governo federal, 26%; Congresso Nacional, 18%; partidos políticos, 17%; e presidente da República, 14%).
Mudanças? Considerando o cenário de rejeição à política, alguns partidos optaram pela resposta rápida e apelaram ao uso superficial de ferramentas de marketing para tentar criar novos vínculos com o eleitorado. Retiraram a palavra “Partido” da nomenclatura com o intuito de rejuvenescer a marca e evitar a repulsa dos eleitores por este tipo de agremiação. Implementaram nomes que conotam movimento, liberdade, modernidade. Desenvolveram nova identidade visual, incrementaram o uso de mídias sociais e, assim, entendem que foi realizado o rebranding partidário, ou seja, a atualização da marca, com a expressão de seu novo posicionamento e as associações ideais que pretende vincular ao partido. Entretanto, este tipo de ação tática não necessariamente mexe com os valores estratégicos que impregnam o DNA do partido e permeiam todas as atitudes e ações que passariam, aí, sim, a caracterizar um novo momento organizacional – um verdadeiro rebranding.
Por exemplo, os partidos PTN, PSL, PTdoB e PEN mudaram seus nomes para Podemos, Livres, Avante e Patriota, respectivamente, e já apresentam materiais de marketing ou discursos fundamentando a mudança. Como elementos que os unem nesta versão alternativa às nomenclaturas tradicionais, destacam-se conceitos como “nova política”, “novo Brasil”, “democracia”, “participação” e “transparência” para justificar a mudança de nome. Porém, apresentam atitudes que contradizem as novas roupagens. Por exemplo, a democracia digital proposta pelo Podemos, com a realização de enquetes que sugerem a participação direta dos eleitores no processo decisório dos parlamentares da bancada federal, conta com textos que influenciam o leitor na escolha. Além disso, ainda há baixa participação de internautas como respondentes, o que pode enviesar a validade deste tipo de ação. Vale destacar também que o Podemos, partido sem vínculos com o homônimo partido espanhol, apresenta-se como mudança, mas tem como presidente a deputada federal Renata Abreu, da mesma família que dirige o PTN há décadas.
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Outra contradição está na disputa ideológica no interior do antigo PSL – atual Livres. Profissionais liberais que organizaram o Coletivo Livres, que hoje dá nome ao partido, contestaram o posicionamento quase unânime da bancada do PSL, que se posicionou pelo arquivamento da denúncia contra o presidente Temer. O Livres, em manifesto no Facebook do partido, defendia a investigação, mas foi ignorado pelos parlamentares na votação na Câmara Federal.
O Patriota, em seus valores, se coloca como antipopulista, mas está a reboque de um candidato com claro apelo personalista – característica inerente ao populismo, que se vale de lideranças carismáticas para propagar seus ideais. O Avante afirma nascer das ruas, o que conota forte participação popular. Mas conta com menos de 4 mil curtidas em seu perfil oficial no Facebook. Só para comparar, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), tem quase 95 mil curtidas em seu perfil pessoal.
Embora ainda seja cedo para cravar sobre as pretensões das neossiglas, até por conta da celeridade das mudanças e de um conjunto de contradições apresentadas entre suas propostas e ações, é importante acompanhar os movimentos dos novos partidos que se valem de ferramentas efetivas de marketing político a fim de se aproximar dos cidadãos. Esta profissionalização da comunicação partidária deve gerar, além de um ganho técnico, como já é perceptível nos materiais desses partidos, um ganho ético, principalmente para aquelas siglas que buscarem profissionais egressos de boas instituições de ensino superior, nas quais é ressaltada a importância fundamental da credibilidade e da transparência para a consolidação de marcas numa sociedade cada vez mais informada e conectada.
Livres, Podemos, Avante e Patriota esboçam conceitos contemporâneos, como o neoliberalismo econômico e a plataforma de participação digital, mas estes não necessariamente significam avanços ou firmamento ideológico, pois ainda se justapõem a proposições genéricas sobre participação, transparência e democracia. Colocações vagas possibilitam interpretações difusas, com potencial de justificar eventuais adesões a diferentes forças políticas, independentemente do viés ideológico.
Acompanhar a trajetória dessas siglas é importante para identificar se os choques que caracterizam as transições são meros ajustes naturais na construção da identidade partidária ou se este comportamento, ainda difuso, caracterizará um comportamento maleável à constituição de maiorias para administração pública, o que tem caracterizado a “democracia de coalizão” e o balcão de negócios que gera tanta repulsa aos cidadãos.
A renovação partidária é condição importante para a busca por credibilidade e representatividade perdidas com a descrença generalizada na política. Mas tal renovação deve ser mais ampla e profunda do que simplesmente mexer nas aparências. Deve-se buscar reformas partidárias estruturais, com a definição de missão, visão e valores – aspectos fundamentais na construção de uma cultura organizacional – para, aí, sim, renovar toda a comunicação de marketing partidário. Caso isso não ocorra, o eleitorado tende a perceber o engodo marqueteiro e as mudanças de fachada de “rejuvenescidas” agremiações, com potencial aumento na descrença com a política, o que pode piorar a aversão e abrir caminho para aventureiros que se colocam como não políticos, oportunistas que se aproveitem da repulsa à política e aos políticos, mas que tendem a se valer dos mesmos comportamentos fisiológicos que tanto criticam. Com um adendo nefasto: a possibilidade de somar a isso uma abordagem autoritária e sectária, que pode gerar uma cisão que não se sente desde o distante 1964.
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