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Pautas com pegada
| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo

Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada.

Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias geram quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras, multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao fim de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e depois disso? Continuamos incapazes de interpretar adequadamente todas essas cifras e utilizá-las a nosso favor.

Ninguém pagará por aquilo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede

É preciso investir forte em tecnologia e não há outro caminho. Os jornais The New York Times e Washington Post, para citar algumas referências da mídia impressa, já entenderam que, neste novo contexto digital, produção de conteúdo e tecnologia vão de mãos dadas. Tanto que, em tempos de crise no setor, o renomado diário de Jeff Bezos parece fazer questão de andar na contramão da concorrência. Em vez de enxugar os seus quadros, o que faz é expandir suas equipes. Mas Bezos não contrata apenas jornalistas. Busca também profissionais que, controlando ferramentas de dados, apoiem a redação, o departamento comercial e o marketing. São engenheiros, estatísticos e desenvolvedores que interpretam os números gerados pelas audiências digitais, identificam tendências e propõem estratégias relacionadas ao negócio.

Certo é que os veículos não podem assistir inertes ao avanço dessas novas tendências. Não podemos repetir a atitude que tivemos nos primórdios da internet, quando raras figuras nas redações apostavam que o ambiente multimídia tomaria a dianteira nos negócios. Também não podemos reproduzir a postura de meados da década passada, quando, fechados em nossos paradigmas, observávamos atônitos como o Google e o Facebook abocanhavam parcelas cada vez mais significativas da verba publicitária.

Na última semana tive a oportunidade de conversar com um grupo de competentes jornalistas e gestores de veículos de comunicação, todos eles responsáveis pelo processo de transição digital em suas empresas. Vindos de diferentes estados brasileiros e de alguns países da América Latina, eles se reuniram em São Paulo para o segundo módulo do Estratégias Digitais para Empresas de Mídia, programa que dirijo na ISE Business School.

Leia também: O poder do jornalismo contra as fake news (artigo de Luciana Sálvaro, publicado em 10 de fevereiro de 2018)

Leia também: O jornalismo digital na era da desinformação (artigo de Wellington Johann, publicado em 5 de setembro de 2018)

Todos eles estavam desejosos de encontrar novos caminhos de monetização. Em sala de aula crescia a certeza de que as verbas publicitárias não retornarão aos níveis de antigamente e que, portanto, os ingressos deverão ser alavancados prioritariamente por meio do conteúdo digital. Como tarefa de casa, levaram um desafio nada fácil: olhar para a cobertura de seus veículos e questionar-se se há valor diferencial naquilo que estão entregando aos seus consumidores. Sabem que, se a resposta for negativa, poucas serão as possibilidades de monetizar esse conteúdo. Afinal, ninguém pagará por aquilo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede.

Receberam também a missão de colocar a audiência no centro do processo. Já não basta que definamos nós do que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. Felizmente, o ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que, por muitas décadas, imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o seu leitor real. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. Chegou a hora das pautas com pegada.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

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