Como são sábios os ditames populares! Desde pequeno, já ouvia mamãe dizer: “André, a gente só não consegue fugir da morte e dos impostos”. Uma bela dose de verdade e realismo em tão poucas palavras para uma criança a se desenvolver, confesso. Hoje, adiciono apenas um complemento necessário: a diferença é que a morte não fica pior a cada vez que o Congresso Nacional se reúne.
Eis que nossa ilustre Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da PEC 15/22 (melhor apelidada de “PEC Kamikaze”). No primeiro turno, foram 393 deputados federais com voto favorável em oposição aos 14 contrários. Quando da tramitação no Senado Federal, foram 67 votos a favor e 1 contra. Abrem-se as portas do inferno para a gastança: vem Auxílio Brasil turbinado, vem aumento no vale-gás, voucher de R$1 mil para caminhoneiros, auxílio para taxistas, gratuidade para idosos no transporte, crédito para o álcool, mais dinheiro para o pequeno produtor rural! E, claro, vem uma estrondosa conta para se pagar no futuro. Irresponsabilidade fiscal? Já passamos dessa fase há muito tempo. Hoje, é pura e simples irresponsabilidade.
A aprovação da “PEC Kamikaze” é um balde d'água fria na construção de anos de nossas instituições fiscais. Coloca-se em xeque toda a credibilidade do Teto de Gastos, da Regra de Ouro e das Leis de Responsabilidade Fiscal. O recado é claro: havendo vontade de gastar, vamos gastar – independente das limitações e restrições impostas. Mas o estrago não se resume ao panorama fiscal, pois também nossa legislação eleitoral foi absolutamente menosprezada.
Quem gritar mais alto leva mais dinheiro – independentemente de qualquer avaliação de impacto ou da qualidade do gasto público.
A Lei Eleitoral é clara ao prescrever a proibição de se criar benefícios sociais em ano de eleições. O país, contudo, parece insistir em não respeitar as regras do jogo. Pois não reclame quando seu adversário político também não as respeitar. Pau que bate em Chico deve bater em Francisco, não?
Assim, aos trancos e barrancos, o Brasil segue à deriva. A votação da PEC mostra como nosso Estado já foi integralmente capturado pelos mais diversos grupos de interesse. Não há agenda republicana para a nação: há uma colcha de retalhos. Quem gritar mais alto leva mais dinheiro – independentemente de qualquer avaliação de impacto ou da qualidade do gasto público.
E se tem uma coisa que faz a classe política se remexer seguindo seu instinto de própria sobrevivência é a gritaria próxima ao período eleitoral. Promete-se o possível e o impossível; gasta-se o que se tem e o que não se tem. É o fardo da democracia, afinal, conseguir lidar com a tentação populista. Por aqui, não apenas lidamos como abraçamos o populismo, vale ressaltar.
Pois anotem aí: ao final dos próximos seis meses, o cenário será ainda pior que este do presente. É bem verdade que a população está sofrendo, pois a carestia vem a todo vapor.
Os efeitos da guerra e da pandemia são claros no dia a dia econômico, desde as dificuldades no emprego e na renda até o carrinho de supermercado sendo corroído pela desvalorização da moeda. Mas não esqueçam: o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções. Os benefícios e vales da proposta esgotam-se tão logo chegue o final do ano – e sem qualquer incentivo ou impacto à geração duradoura de empregos.
São gastos insustentáveis e paliativos. Suas consequências, entretanto, estarão inevitavelmente aí: endividamento público maior sem contrapartida de investimento para o longo prazo; menor credibilidade de nossas leis fiscais e, consequentemente, maior inflação. E tudo isso será feito graças à união de quase todos os partidos políticos, com votos à esquerda e à direita. Irresponsabilidade generalizada e suprapartidária. Só não vale dizer que eu não avisei.
André Bolini é especialista do Instituto Millenium, analista de crédito no mercado financeiro e empreendedor, formado em Administração de Empresas pela FGV.