| Foto: Rowan Heuvel/Unsplash
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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 aprovada pela Câmara dos Deputados sem maiores alardes, em fevereiro de 2022, chamada por muitos de "PEC da Privatização das Praias", está sendo palco de recente e inflamada repercussão nas redes sociais, sobretudo após embate entre o jogador de futebol Neymar Júnior e a atriz Luana Piovani. Resumidamente, a indicada PEC permite que a União transfira “terrenos de marinha” para estados, municípios ou proprietários privados. Considera-se “terreno de marinha” área inserida dentro da distância de 33 metros a partir da linha imaginária da média das marés - medida adotada ainda no período imperial, a fim de garantir a proteção da soberania nacional nas proximidades da costa.

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Essa transferência, contudo, não abarca as chamadas áreas de praia (faixas de areia), as quais se constituem como bens públicos de uso comum e que garantem o acesso livre ao mar. Isto significa que, numa análise preliminar, que a PEC que voltou à tona, recentemente, não trataria sobre qualquer possibilidade de “privatização” das áreas de praia. Disso resta o seguinte questionamento: é exagerado ou equivocado o uso da expressão “privatização das praias”?

Em minha concepção, não! Isso, porque, embora a proposta da PEC não implique, diretamente, na transferência das áreas de praia, o gozo da propriedade de forma plena por parte daqueles que já ocupam os “terrenos de marinha” pode resultar em impactos no acesso às áreas de praia.

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Ocorre que a PEC, em sua redação atual, abre margem para uma “privatização do acesso às áreas de praia”, já que os proprietários (incluindo, aí, resorts, hotéis e pousadas) poderão, livremente, cercear, fisicamente, o acesso direto das pessoas às áreas da orla, a mangues, aos rios e afins, dificultando, sobremaneira, o uso livre e desimpedido por parte do cidadão não consumidor.

E não é só isso: além de restringir, indevidamente, o lazer – direito social estatuído, expressamente, no caput do artigo 6º da Constituição Federal (1988) – esta PEC também pode oferecer impactos danosos ao meio ambiente. Isso, porque, entre outros motivos, se essas áreas (praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues, só para citar algumas possibilidades), que atuam diretamente na absorção de carbono, forem alienadas a empreendimentos privados, há o risco iminente de aumento na degradação ambiental e, de forma sintomática, impactos desfavoráveis para as mudanças climáticas e o aumento do nível do mar.

Não significa dizer que a PEC em tela não tenha pontos positivos. Para o setor portuário, por exemplo, seria ótimo. As empresas que atuam no ramo passariam a ter uma propriedade efetiva para abrigar suas operações, lhes conferindo, assim, maior segurança jurídica. Igualmente, o acolhimento da proposta traria como consequência o aumento na arrecadação de impostos em função da regularização de propriedades, a difusão do próprio turismo e a geração de empregos nas áreas litorâneas. 

Há, como se vê, um verdadeiro embate entre os interesses econômicos da União, de demais entes federativos e do poder econômico, de um lado; e, de outro, há os direitos fundamentais ao lazer e ao meio ambiente – algo que deve se considerar hoje e pensando, também, nas gerações futuras.

Nessa disputa, fico ao lado da Constituição Federal, bem como dos direitos fundamentais, entendendo que, qualquer possibilidade de restrição ao lazer e de riscos ao meio ambiente esbarram no artigo 60, §4º, inciso IV. O texto não admite a edição de emendas constitucionais neste sentido – algo que, aliás, deve ser bem lembrado pelo Senado Federal, que, neste momento, aprecia a pauta, e pela Câmara dos Deputados, que, em breve, deve acolher o debate e definir o destino desta PEC em votação.

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Wagner Gundim é doutor em Direito Constitucional, doutor em Filosofia do Direito, mestre em Direito Político e Econômico, professor de cursos de graduação e de pós-graduação e sócio-fundador do Gundim & Ganzella – Sociedade de Advogados.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]