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Os meios especializados recolocaram na mesa de discussões internacionais um assunto em voga no final do decênio dos 1990 e começo dos anos 2000: a dosagem do ritmo de crescimento da economia mundial. Na ocasião, o estouro da bolha imobiliária e a eclosão dos escândalos corporativos, depois da descoberta das maquiagens contábeis realizadas por grandes companhias norte-americanas, ensejaram o surgimento de propostas de alternativas que abarcavam a acomodação suave ou a brusca desaceleração da economia mundial. A reação dos agentes aos impactos econômicos contracionistas dos ataques terroristas ocorridos em setembro de 2001, encarregou-se de dar contornos recessivos à trajetória de pronunciado desaquecimento da produção e do comércio global, capitaneada pelos Estados Unidos (EUA).

O atual momento de instabilidade, retratado na modificação da percepção dos investidores, materializada na queda generalizada nas bolsas de valores a partir do mês de maio de 2006 e na subida da cotação dos títulos de longo prazo dos EUA, acompanhadas de alta dos juros e depreciação cambial nos mercados emergentes, traduz um rearranjo defensivo operado nas carteiras das diferentes modalidades de aplicações, notadamente câmbio, ações e títulos públicos e privados.

Mais precisamente, esse comportamento reproduz as fortes suspeitas de reversão da orientação expansiva, praticada especialmente pelos policy makers norte-americanos, como forma de sufocar as pressões inflacionárias embutidas na impulsão do endividamento primário da população e dos déficits em transações correntes dos EUA, aspectos que caracterizaram o vigoroso e generalizado ciclo de crescimento mundial iniciado em 2003, ancorado na China, Japão e Índia – com câmbio e crédito altos e juros baixos – e EUA.

A dívida e os déficits serviram para, ao mesmo tempo, alterar o sinal das contas externas dos emergentes, comporem poderosas forças deflacionárias (pelo lado da multiplicação das escalas de negócios) e justificar a implementação de políticas monetárias e de crédito frouxas, alimentando bolhas de ativos e aplicações maciças em papéis de risco dos países emergentes.

De um lado, os desequilíbrios em transações correntes dos EUA, ocasionados pela articulação entre reduzidos níveis de poupança e progressivos déficits fiscais (5,0% do PIB), passaram de cerca de US$ 390,0 bilhões em 2001 (3,8% do Produto Interno Bruto – PIB) para US$ 792,0 bilhões em 2005 (6,3% do PIB). Isso significa que os gastos de consumo e investimento realizados por consumidores e empresas norte-americanas, respectivamente, excedentes em relação ao montante de renda interna, vêm sendo cobertos por recursos oriundos do resto do mundo, sobretudo do Japão, China e outros países asiáticos.

De outro lado, a temporária ascensão da inflação poderia encontrar explicação no realinhamento da estrutura de preços relativos mundiais em favor das commodities, e sua propagação para os demais preços, provocado principalmente pelo extraordinário crescimento chinês.

As taxas básicas de juros iniciaram rota ascendente desde junho de 2004 nos EUA (quando estavam em 1,0% ao ano, chegando aos 5,25% a.a. atuais) e dezembro de 2005 na zona do euro, apontando para a necessidade de imposição de restrições ao ambiente de fartura de capitais nos mercados internacionais, derivado da mudança de patamar de expansão da economia mundial (de 2,0% ao ano no começo do século para 5,0% a.a. no triênio 2003-2005) e da inflação (de 3,5% para 4,0% a.a. no mesmo período), evidenciada e/ou induzida, em ambos os casos, pela disparada das cotações das commodities metálicas e minerais (especialmente petróleo).

Contudo, convém não perder de vista as chances de perenização dos fatores de distorções, em razão do abrangente horizonte temporal para a geração dos superávits em conta corrente pelos asiáticos e para a manutenção da sua condição de credores líquidos dos EUA, funcionando com moedas depreciadas; da confiança conferida à moeda norte-americana como reserva – o que valida o financiamento dos déficits por meio de emissão monetária –; e do diferencial de rendimentos observados entre os ativos internacionais em confronto como os norte-americanos (títulos do tesouro), propiciando ganhos externos aos aplicadores dos EUA, preponderantemente às companhias multinacionais, e amenizando o peso do endividamento líquido daquela nação.

Nessas circunstâncias, o ajuste exigiria a combinação não traumática entre majoração dos juros e desvalorização do dólar, em dosagem suficiente para resgatar a competitividade das exportações e a capacidade de poupança da economia norte-americana. Até porque, nos dias atuais, não se vislumbraria qualquer espaço de negociação política para a correção do problema norte-americano através da valorização da moeda dos seus credores, tal como verificado nos anos 1980, em conseqüência do Acordo de Plaza (1985), ao custo da estagnação da economia japonesa por quase duas décadas.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School.

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