Os relatórios econômicos projetam um cenário bastante desafiador para os próximos anos no Brasil. O brasileiro está pagando a gasolina e o diesel mais caros do mundo, 32% e 45% respectivamente acima do praticado no mercado internacional. Muitos motoristas já pensam seriamente em utilizar a bicicleta como meio de transporte para os trajetos urbanos.
Como se não bastasse o PIB negativo em 2015, com queda de 3,8%, a projeção para 2016 é bem parecida, tendo como consequência cerca de 8,4 milhões de pessoas sem emprego ao fim deste ano. A corrupção suga cerca de R$ 200 bilhões e os juros da dívida pública consomem outros R$ 500 bilhões ao ano. Resumindo, é preciso pedalar muito para sair da crise.
No Brasil ainda não existe uma pesquisa científica específica para quantificar os benefícios gerados por investimentos no ciclismo. No entanto, diversas pesquisas realizadas no Reino Unido e no resto da Europa apontam o investimento no ciclismo como um dos que têm maior retorno no sistema de saúde. Utilizando as projeções de benefícios financeiros de pesquisas realizadas no Reino Unido, que tem uma população de 64 milhões de habitantes, e comparando com os 205 milhões de habitantes do Brasil, o potencial benefício financeiro em redução de custos de congestionamentos, tráfego de carros, redução de poluição e custos de trabalho por pessoas afastadas por motivos de doenças cardíacas e de obesidade no Brasil pode girar em torno de R$ 7,5 bilhões por ano. É difícil ter um valor preciso, pois o valor investido em saúde no Reino Unido, o custo de vida e a média de salário usada para o cálculo de ausência do trabalho são bem superiores aos do Brasil. Mesmo assim, a grosso modo, é possível concluir que o investimento no ciclismo como meio de transporte e como atividade física pode trazer um benefício financeiro, somente na area de saúde, na casa dos bilhões de reais no Brasil.
A Universidade de Cambridge, em parceria com o National Health Service (NHS) do Reino Unido (equivalente ao SUS no Brasil), ressaltou que cada libra investida no ciclismo como atividade física ou meio de transporte gera uma economia no sistema de saúde de 4 libras com doenças relacionadas à obesidade e diabete. Se o Brasil usar a mesma estratégia de investimento, a redução de custos do sistema de saúde seria quatro vezes maior que o gasto com o ciclismo.
O uso da bicicleta como meio de transporte ou como atividade esportiva acaba sendo uma boa alternativa em tempos de crise; é como unir o útil ao agradável. A grande maioria da população, em algum momento da vida, já teve algum contato com a bicicleta. Desde crianças, temos na memória um dos presentes mais marcantes da infância, a primeira bicicleta, e com ela a sensação de liberdade, o vento no rosto, os cabelos voando e o prazer de usufruir do nosso direito de ir e vir movidos por nossa própria energia e corpo.
O Brasil tem um grande potencial de crescimento no ciclismo como meio de transporte e atividade física
Com base em pesquisas científicas realizadas em países da Europa e, em nível mundial, pela União Ciclística Internacional (UCI), pode-se concluir que, utilizando a bicicleta como meio de transporte para trajetos urbanos de ate 10 quilômetros, é possível ter uma economia de cerca de R$ 2 mil por ano por pessoa. O valor pode variar bastante dependendo de cada caso, do consumo de combustível e do fato de que muitos continuarão tendo as despesas fixas do carro para utilizá-lo em percursos mais longos que 10 km, como viagens, ou casos em que a distância entre a casa e o trabalho é maior que 10 km. O valor pode ser muito superior se realmente existir uma mudança radical, com uma eventual venda do carro, usando-se apenas a bicicleta para trajetos urbanos e transporte público, táxi e outros meios de transporte para trajetos superiores a 10 km. Além disso, excluindo outros gastos, como academia, o valor da redução de custos pode ser de pelo menos R$ 5 mil ao ano por pessoa. Pesquisas em nível mundial estimam que mais de 50% de todas as locomoções feitas nas grandes cidades de carro são para percursos de até 10 km.
Como o Brasil pode economizar R$ 88 bilhões por ano investindo em ciclismo como meio de transporte e atividade esportiva? Um recente estudo realizado e patrocinado pela UCI, em parceria com outras entidades, concluiu que existe um enorme potencial de desenvolvimento do ciclismo como meio de transporte. Usar a bicicleta como meio de transporte em vez do carro pode reduzir até 10% do total de emissões de dióxido de carbono e cerca de US$ 25 trilhões em custos de infraestrutura em nível global até 2050. Considerando que o Brasil tem cerca de 3% da população global, podemos concluir que a potencial redução de custos no Brasil seria em torno de US$ 750 bilhões, aproximadamente R$ 3 trilhões até 2050, ou R$ 88 bilhões por ano. Obviamente o valor pode variar de acordo com o investimento alocado para estas áreas em cada país, mas de uma forma simplística este seria um valor estimado de redução de custos no Brasil.
De acordo com a pesquisa, essa economia financeira inclui também a redução de custos com combustível de cada pessoa, infraestrutura, despesas de manutenção de infraestrutura urbana e nas rodovias, redução de custos de transportes públicos. A pesquisa também explica que um carro precisa de sete vezes mais espaço que uma bike, que a velocidade da bicicleta é muito menor e mais segura que a de um carro, e ressalta os demais benefícios na saúde da população, que vai se tornar mais fisicamente ativa usando a bicicleta como meio de transporte.
O estudo recomenda uma série de ações para as cidades com o objetivo de mudar a cultura de carro para a bicicleta, tais como investir em infraestrutura em larga escala nas grandes cidades, revisar leis de proteção aos ciclistas, encorajar a população a usar a bicicleta como meio de transporte e como atividade física, e investir parte dos impostos de combustíveis e pedágio em sistemas de transporte alternativo como o uso da bicicleta.
Resumindo, o Brasil tem um grande potencial de crescimento no ciclismo como meio de transporte e atividade física. Morando em Londres desde 2008, e viajando mundo afora por mais de 20 anos, tenho acompanhado atentamente a evolução do uso da bicicleta em suas mais diversas formas, em várias partes do mundo. Em países desenvolvidos e em grandes cidades do Velho Continente – como Amsterdam, Copenhague, Paris e Londres –, onde a infraestrutura para o uso de bicicletas como meio de transporte iniciou-se há décadas, a bicicleta faz parte da rotina da população. Também pode-se dizer que, como esporte, o ciclismo está entre os cinco favoritos dos europeus.
Em Copenhague, onde o trabalho de criação de infraestrutura e apoio ao uso das bicicletas iniciou-se ainda na década de 1960, hoje mais de 50% da população utiliza a bicicleta como meio de transporte. Naquela época, a cidade era extremamente poluída e o volume de carros nas ruas criava um verdadeiro caos. Grandes eventos ao estilo da São Silvestre, mas com bicicletas, misturam atletas de elite com a população e têm um papel fundamental para criar uma cultura de respeito a diferentes modais de deslocamento, além de gerar um impacto positivo na saúde pública e no respeito aos pedestres e ciclistas, deixando um legado econômico positivo para diversos setores da sociedade.
Em Londres, por exemplo, eventos nesse estilo chegam a reunir mais de 100 mil pessoas em um fim de semana nas ruas do Centro da cidade. Outros eventos, como a Cape Town Cycle Tour, na África do Sul, reúnem cerca de 50 mil ciclistas anualmente e o número de participantes cresce a cada edição. Na Franca, o governo paga cerca de R$ 1 por quilômetro rodado para pessoas que utilizam a bicicleta para ir e voltar do trabalho; no Reino Unido, as bicicletas compradas através de um programa do governo, diretamente pelas empresas em que os funcionários concordam em usar a bicicleta como meio de transporte, geram uma isenção de impostos de até 40% para o contribuinte. O uso da bicicleta em suas diversas formas melhora a qualidade de vida da população, é um meio de transporte barato, agradável, saudável, ecologicamente correto e ajuda a eliminar o atual caos do sistema de transporte das cidades do Brasil.