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Arde o circo eleitoral montado pelas televisoras, flechas incendiárias são desferidas pelos candidatos sem qualquer escrúpulo e respeito à verdade, a civilidade foi para o brejo e o brejo secou.

A pior estiagem de todos os tempos provoca perigosas queimadas na Mata Atlântica (teoricamente úmida), no Cerrado, nos canaviais recém-colhidos e pastagens ressecadas por um inverno rigoroso. São Paulo, a maior metrópole da América Latina, está calcinada, acalorada, suada, reservatórios no limite, indignação idem, o calor prestes a completar um ano e a lata d’água na cabeça convertida em ícone do retrocesso.

Desidratados, sufocados pela poluição, abatidos pelas previsões meteorológicas e conjunturais, olhamos súplices para Brasília e Brasília está "fora de área", encoberta pela poeira e cinzas. Tuitamos para a Presidência da República, ninguém atende, estão todos na rua batalhando por votos. Nem o vice-candidato a vice – sempre pronto para participar de eventos chatos – está disponível.

Algumas regiões estão em estado de calamidade, mas não há ninguém para garantir que as providências estão sendo tomadas, mesmo que se contentem em colocar São Pedro no banco dos réus. O governo parece prestes a desmaiar, aparentemente solidário com a crise hipoglicêmica que acometeu a presidente da República ao fim do debate no SBT. Pior: todos aqueles capazes de dar murros na mesa em defesa da população foram convocados para esmurrar a oposição.

Esta é a grande calamidade para a qual candidatos, seus parceiros e mentores não estão dedicando a necessária atenção: uma democracia prestes a completar 30 anos – idade que Balzac considerava ideal para a mulher – mostra-se incapaz de manter um mínimo de estabilidade e governabilidade enquanto se envolve com gosto e prazer numa campanha belicosa, vitriólica, em níveis jamais vistos.

Não por acaso, na mesma quinta-feira o presidente do TSE, ministro Antonio Dias Toffoli, decidiu intervir e acolher reclamações do candidato da oposição. Ao mesmo tempo, advertiu que o tribunal não tolerará abusos no horário da propaganda eleitoral e proporá modificações substantivas para enxugar a duração da campanha no primeiro e segundo turnos. "Uma campanha mais enxuta fica mais barata e mais eficiente para o eleitor. Ao descambar para acusações, prova-se que há muito tempo livre."

É evidente que tem faltado pulso aos jornalistas que conduzem os debates televisivos. O público espera deles algo mais consistente do que a atuação como mestres de cerimônia. As emissoras são responsáveis pelo conteúdo que transmitem, mesmo quando as manifestações partem das altas autoridades. No espaço e durante o tempo de um programa ao vivo, o verdadeiro presidente é o jornalista encarregado de manter o decoro e a civilidade, e gerir o espetáculo até os letreiros do encerramento. Sobretudo no caso de eventos na esfera cívica.

O [jornalista] âncora é como a âncora, capaz de segurar a embarcação, mantê-la firme, sob controle. Obviamente não lhe cabe julgar a validade ou veracidade de acusações e denúncias pronunciadas à sua frente pelos candidatos, mas compete-lhe identificar onde a veemência pode transformar-se em agressão e a eloquência, descambar para o vale-tudo.

O pais está pegando fogo – literalmente. Precisamos urgentemente de bombeiros e, principalmente, de cidadãos dispostos a apagar incêndios e evitar rupturas.

P.S.: No último artigo, equivoquei-me ao lembrar a articulação Aécio Neves-Fernando Pimentel que elegeu e reelegeu o prefeito de Belo Horizonte: foi Marcio Lacerda, e não Marcelo Lisboa.

Alberto Dines é jornalista.

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