Enquanto se discute os custos da Lei 14.593/15, que trata do fim do cabeamento aéreo em Curitiba, apresento o outro lado da moeda: os benefícios. Há dez anos, David Berson, da Brown University, descobriu que células da retina, sem uso para a visão, registram o ocaso e ativam a produção da melatonina, substância que prepara o sono e restaura os tecidos. Implicação para o conforto ambiental é que se encorajem ambientes noturnos mais escuros, tanto na habitação como fora. Coincidência ou não, desde tal época Curitiba tem renovado sua iluminação pública. Tendo errado nos anos 90 com os lampiões republicanos, que espalham luz para cima, para os lados e sobre os olhos das pessoas, a cidade adotou luminárias menos agressivas e mais eficientes, e muitas delas já tinham seu cabeamento enterrado.
A curta história urbana da humanidade afronta suas preferências ancestrais. Se milhares de gerações obtiveram água e alimento e sobreviveram, a atração pelo verde das matas e pelo azul dos corpos de água ficou cunhada em nossa herança biológica. Outrora, nas savanas, quem saía caçar em dias de sol avistava, de uma árvore, sombras de presas e de predadores. Daí o gosto por passear em dias de sol. Grant Hildebrand explica, em Origins of Architectural Pleasure: herdamos a atração por sons e aromas da natureza; o temor da altura e de ruídos súbitos; o hábito da discrição no repouso. A busca por alimento e abrigo nos fez gregários: o mundo da cultura nos atrai. Adaptamo-nos a suas cores, formas, texturas artificiais. Desde pequenos, e pelo estudo uns mais, outros menos, formamos um juízo de valor estético sobre o ambiente construído e superamos a satisfação do homem primitivo.
Há diferencial indescritível nas regiões urbanas livres do cabeamento aéreo
Mas gostos ancestrais persistem e influenciam nossa saúde mental. Buscamos ver o céu por entre as construções, aqui mais baixas, acolá muito altas. Para o exercício do ir e vir restam ruas, passeios, praças e parques. Contudo, sobre esse arranjo do espaço público paira onipresente a fiação aérea – essa gambiarra. Postes e transformadores, linhas elétricas esticadas e feixes frouxos, opacos e disformes das linhas de telefone, tevê a cabo e dados formam um conjunto não raras vezes assustador. Perde-se área útil dos passeios e se compromete o crescimento das árvores – podadas em forquilha, enfraquecem. Inegáveis os benefícios da energia elétrica e das comunicações, mas nada disso subsiste a um juízo estético civilizado. Mais ainda se considerada a alternativa do subsolo.
Há diferencial indescritível nas regiões urbanas livres do cabeamento aéreo. Paris, Berlim, Roma e centenas de outras cidades exibem céu por entre os monumentos urbanos. Entre nós, isso ocorre nas cidades históricas de Minas; em Brasília, no Plano Piloto; e no Rio, na orla. No Paraná, mencione-se o centro histórico da Lapa; em Curitiba, as imediações do Centro Cívico, da Rodoferroviária, da Marechal Deodoro e Linha Verde.
A quem impor o ônus do cabeamento subterrâneo? Aos concessionários, de início, por correção de conduta. Ao poder público, porque terá um item a mais para administrar. Aos usuários, porque os custos serão atualizados. A todos, enfim, porque demandará paciência.
E há benefícios econômicos, sim. O turismo, na balança comercial brasileira, é apenas menor que a exportação de soja em grão e minério de ferro. Mas é, certamente, o item mais elaborado. Segundo a OMT, viajam ao Brasil 6 milhões de turistas ao ano; pouco, diante de 80 milhões à França, 70 milhões aos EUA ou 50 milhões à Itália. O Brasil atrai com suas belezas naturais. Que dizer de Curitiba, sem praia, nem rios, e com seu futebol desacreditado? O aspecto marcante é sua evolução urbana, pura realização cultural: não se embeleza a natureza, mas se pode aprimorar mais e mais negócios, emprego e renda. O fim do cabeamento aéreo é uma causa nobre. A primeira tarefa? Olhar para cima.