Graves crises econômicas – incluindo inflação, recessão e estagnação – podem ser superadas desde que as autoridades competentes tenham a competência necessária. E disponham também de poder suficiente para determinar, implementar e fiscalizar ajustes.
E no caso dos impasses situados numa esfera tão flexível e subjetiva como a política, o que é competência, credibilidade e o que significa “uso de poder” sem ferir o Estado de direito?
Em artigo publicado na prestigiosa ágora da Folha de S. Paulo (sua página 3) na quinta-feira, o ex-presidente do PSB, Roberto Amaral, constata uma crise republicana, institucional, fruto de um golpe branco contra o agonizante presidencialismo de coalizão substituído por um parlamentarismo de fato, a partir da composição entre os presidentes das duas casas legislativas, Eduardo Cunha e Renan Calheiros.
Há seis meses, imediatamente após o segundo turno e no mesmo privilegiado espaço (onde mais tarde seria justificado o impeachment de Dilma Rousseff), o ex-presidente José Sarney convocou a recém-eleita a encaminhar uma proposta para nova experiência parlamentarista.
Cada avanço nas investigações do megaescândalo na Petrobras traz riscos imprevisíveis, imponderáveis
Àquela altura, ainda que inviável, a ideia fazia algum sentido, ao menos sob o ponto de vista teórico. O repúdio ao golpe parlamentarista proferido pelo ex-presidente da UNE Roberto Amaral tem algo de estudantil, inconsequente. Eduardo Cunha e Renan Calheiros foram eleitos em pleitos legítimos, representam o Legislativo de um governo democrático, sua parceria, além de legal, justifica-se, já que ambos militam no mesmo PMDB. Ainda que condenados pelo STF no curso dos julgamentos da Operação Lava Jato, dificilmente serão depostos pelos respectivos eleitorados no parlamento.
O que deixou de ser assinalado – isso, o mais grave – é o estado em que se encontram o país, o regime e algumas das suas instituições mais expressivas, incapazes de precaver-se contra um formidável impasse caso os dois políticos sejam considerados culpados pela suprema corte.
É precisamente esta possibilidade – aliás, nada remota – a responsável pela insônia que aflige muita gente. Cônscios deste perigo, Cunha e Calheiros pisam no acelerador dispostos a atropelar não apenas a chefe do governo (a quem atribuem as respectivas incriminações pela PGR), mas todos aqueles que se empenham em garantir um mandato sem traumas.
O jogo está empatado, insuportavelmente tenso. Cada avanço nas investigações do megaescândalo na Petrobras traz riscos imprevisíveis, imponderáveis. Impossível afrouxar o cerco à corrupção, impensável retroceder. A tenebrosa lavagem de nossas entranhas tem um potencial para sanear nossos costumes políticos e a administração da coisa pública. A ninguém ocorreria apostar em pizza ou num abrandamento do seu rigor, tantas as esperanças que a desintoxicação está fabricando.
E, no entanto, cada rosca apertada pela Justiça nos aproxima inexoravelmente de um confronto que uma democracia com 30 anos de idade certamente terá condições de superar. Ou não.
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