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Fiquei nestes últimos dias acompanhando com pesar as notícias sobre a tragédia na Região Serrana do Rio e revivendo minhas tristes lembranças. No dia 29 de setembro de 2006, 154 pessoas morriam no voo 1907 da Gol, que caíra sobre a Amazônia. Dentre elas, meu marido Rolf.

Lá no Rio de Janeiro, o motivo das centenas de mortes foi uma série de deslizamentos de terras devido às chuvas. No acidente que matou meu marido e todos os que estavam no voo 1907, os responsáveis foram os pilotos norte-americanos Joseph Lepore e Jean Paul Paladino. Na contramão do céu, eles invadiram o espaço aéreo e jogaram o jato Legacy que pilotavam contra a aeronave da Gol. Além de outras imprudências, eles não ligaram um aparelho que impediria o acidente, chamado de transponder. Existem dois aparelhos de comunicação desse tipo a bordo do Legacy e, até minutos depois do acidente, nenhum deles fora ligado.

Lepore e Paladino não só saíram milagrosamente ilesos do acidente como atuam até hoje como pilotos. O primeiro, na American Airlines e, o segundo, na ExcelAire. Não foram julgados e, até julho deste ano, o processo judicial movido contra eles prescreve. Ou seja, se até julho nada acontecer, os dois responsáveis pela morte do meu marido e de todos os passageiros e tripulantes do voo 1907 da Gol estarão livres e felizes.

As vítimas da Região Serrana do Rio de Janeiro têm quem culpar pela tragédia? Talvez possam culpar o governo, os que jogam lixo nas ruas, as pessoas que constroem casa em encostas de morros. Ou podem imaginar que isso aconteceu porque era para acontecer. Isso me lembra de um recente aprendizado meu da Língua Inglesa, que dá dois significados para a palavra faith: destino ou fé. No caso do meu marido e de todas as vítimas do voo 1907, os culpados têm nome e sobrenome, e não têm nenhuma ligação com destino ou fé.

Se me perguntarem se fica mais fácil aceitar uma tragédia com culpados, como foi o caso da minha, ou um acidente da natureza como o do Rio de Janeiro, realmente não saberia responder. Só sei que fica muito doloroso aceitar que os culpados existem, mas que absolutamente nada foi feito contra eles, por mais esforços e adesões que tenhamos tido ao abaixo-assinado postado no site www.190milhoesdevitimas.com.br.

Compartilho o rancor e a dor de Ariano Suassuna, que descobri ao ler uma entrevista do dramaturgo paraibano ao relatar as consequências psicológicas que teve com a morte do pai dele, assassinado com um tiro nas costas. Na época, Suassuna tinha apenas três anos. Disse ele na entrevista que até hoje, quando reza o Pai Nosso, tem dificuldade em falar o trecho "Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Também não consigo perdoar a quem me ofendeu, a quem matou meu marido, a quem deixou minha filha órfã.

Espero que todas as vítimas da Região Serrana do Rio de Janeiro consigam ser menos rancorosas do que eu. Desejo também a elas toda a força do mundo para superar este momento de tamanho sofrimento. E não nos deixeis cair em tentação. Mas livrai-nos do mal. Amém.

Rosane Gutjhar é integrante da Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Voo 1907

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