Não é o momento para ameaçar, coagir ou "mandar brasa". A Argentina, nos últimos anos, embarcou na estratégia do grito e da marra e, agora, jaz exangue, nocauteada por si mesma. A escalada de 1964, ainda que precariamente lembrada na passagem dos seus primeiros 50 anos, desaconselha o recurso abusivo da intimidação e o desafio para confrontos. A proximidade da eleição presidencial e o potencial de riscos inerente à realização de grandes eventos internacionais são naturalmente incendiários, sugerem a adoção de gestos moderadores e políticas desanuviadoras.
Nos últimos dias, duas provocações partidas das hostes do governo federal aumentaram desnecessariamente o clima de exacerbação: a primeira, na terça-feira, foi a entrevista concedida pelo presidente Lula aos blogueiros amigos que instantaneamente realimentou as velhas tensões entre a indústria da comunicação e o governo adormecidas desde a posse da presidente Dilma Rousseff.
A bomba não foi a convocação de Lula para nova cruzada pela regulamentação da mídia. No dia anterior, num seminário no Rio, o ministro Joaquim Barbosa, chefe do Judiciário, também se manifestara a favor de algum tipo de regulação ou autorregulação para tornar nossa imprensa mais plural e diversificada.
No clima de palanque que tanto estimula a sua adrenalina, Lula deixou bem claro que não queria apenas regular a concorrência, queria também a adoção de mecanismos capazes de mudar o tratamento desrespeitoso dado à sucessora, Dilma Rousseff.
A investida seguinte, na quinta-feira, foi protagonizada pela ex-chefe da Casa Civil, agora senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que reclamou em plenário contra os critérios técnicos adotados por uma das instituições nacionais de maior credibilidade, o IBGE, na avaliação dos níveis de desemprego. A senadora pediu e foi prontamente atendida no arquivamento da nova metodologia. A diretora de Pesquisas, Márcia Quintsir, exonerou-se em protesto. Um programa de alta complexidade e aprovado pelo colegiado do IBGE não poderia ser desativado só para atender à reclamação de uma senadora (candidata ao governo do seu estado) que, embora economista, carece da expertise necessária para aventurar-se em campo tão especializado.
E aqui entra a Argentina: incapazes de desarmar a espiral inflacionária que desorganiza a vida do país, os Kirchner preferiram mudar os critérios e os instrumentos que medem a inflação. Sem um quadro de referências confiáveis, o sistema econômico desandou, ruiu. A greve nacional que na sexta-feira paralisou o país é a melhor prova do caos vigente.
Construir uma instituição com a mesma seriedade, rigor e credibilidade do nosso IBGE tem sido há anos o sonho de consumo dos acadêmicos, economistas e empresários portenhos, bem como de seus interlocutores nas entidades internacionais.
Sentados em berço esplêndido, desatentos às nossas façanhas, corremos o risco de desperdiçá-las ao atender a querelas inoportunas e caprichos ocasionais.
Alberto Dines é jornalista.
Dê sua opinião
Você concorda com o autor do artigo? Deixe seu comentário e participe do debate.
A festa da direita brasileira com a vitória de Trump: o que esperar a partir do resultado nos EUA
Trump volta à Casa Branca
Com Musk na “eficiência governamental”: os nomes que devem compor o novo secretariado de Trump
“Media Matters”: a última tentativa de censura contra conservadores antes da vitória de Trump
Deixe sua opinião