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Opinião do dia 2

Perspectivas de escolhas ante a crise entre o Brasil e a Bolívia

Nesses últimos dias, muito se tem falado da nacionalização do gás e do petróleo por parte do governo boliviano, vez que afeta diretamente a economia, a indústria e os interesses brasileiros. Como sinopse, hoje, a população da Bolívia não chega a 10 milhões de pessoas, (destes, 60% quíchuas e aimarás) com um PIB também próximo a 10 bilhões de dólares e uma área de 1 milhão e poucos quilômetros quadrados. Historicamente, fazia parte do Império Inca e, após a chegada dos espanhóis, foram as minas de prata de Potosí financiadoras das guerras européias movidas pelo expansionismo espanhol. O rio da Prata deve esse nome ao metal que dali passava rumo à Europa. Com o esgotamento das minas, a região, sem outras riquezas, cai no ostracismo. Independente em 1825, adota o nome de Bolívia (antes era o Alto-Peru), em homenagem a seu primeiro presidente, Simon Bolívar. Durante o século XIX, perde, para o Chile, a saída para o mar, na guerra do Pacífico. No século XX, vende ao Brasil o Acre, perde para o Paraguai a região do Chaco. Com a descoberta de minas de estanho e exploradas por empresas estrangeiras, na década de cinqüenta, estas são nacionalizadas, de forma desastrosa. No século XXI, a história se repete: nacionalizam-se os hidrocarbonetos e somos nós (nós?) os principais prejudicados.

Certas questões só ficarão claras, com o desenrolar da crise; afinal, o decreto assinado por Evo Morales regulamentou a lei que já havia nacionalizado os hidrocarbonetos; contudo, alguns aspectos podem ser pensados, em termos de direito internacional privado e de direito internacional público. A Petrobrás está na Bolívia, na condição de empresa privada e, como tal, sopesar: se a nacionalização tomar a feição de um confisco, poderá ela levar o assunto aos tribunais, no caso, o do foro de eleição, ou mesmo à arbitragem internacional, se tal estiver previsto no contrato. E, no caso de não cumprimento, pelo governo boliviano, de uma eventual decisão? Responsabilização internacional por parte da Bolívia? Com isso, o governo brasileiro ressuscitaria a Doutrina Drago-Porter? Essa doutrina estipulava: a) a proibição do uso da força para a cobrança de dívidas contratuais, reclamadas ao governo de um país pelo governo de outro país, como devidas a seus nacionais; b) a intervenção, que só se justificaria, nos seguintes casos: 1. quando o Estado recusasse submeter o litígio à arbitragem; e 2. o não-cumprimento da decisão arbitral. Isto não ajudaria nada no interesse da paz e só contribuiria para reforçar o pensamento imperialista que nossos vizinhos têm a nosso respeito, e tal é reforçado, caso seja verificado que nenhum dos países fronteiriços com o Brasil foram solidários a nós. Chamar nosso embaixador de La Paz para consultas? Boicotar, ostensivamente, a Bolívia? Romper relações diplomáticas? Declarar guerra?

Explorar gás, em um país historicamente instável como a Bolívia, deveria estar na previsão estratégica de uma empresa como a Petrobrás. Argüirem-se princípios como o da "pacta sunt servanda", em um país em permanente convulsão social, é tolice. A escolha passa a ser não negociar ou negociar. Não negociar significa a retirada pura e simples da Petrobrás, deixando-nos à míngua, por um tempo, sedentos de energia. Ou negociar, ganhando o tempo necessário para que nossa dependência desse tipo energético, oriundo de um só país, minore. Parece não haver escolha.

Luís Alexandre Carta Winter é professor das Faculdades Curitiba e doutorando pela Universidade de São Paulo (USP) em Programa de Integração Latino-Americana.

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