O comércio internacional encontra um período de turbulentos desafios. O caminho pós-pandemia abrirá muitas oportunidades, ao mesmo tempo que fecha tradicionais rotas e fluxos comerciais. O Brasil, neste contexto, pode sair fortalecido; entretanto, neste tradicional xadrez seria interessante que nosso país diversificasse seus parceiros comerciais para evitar a dependência significativa de uma nação, como tem acontecido com a China.
A sinodependência comercial brasileira já se tornou uma realidade, ao mesmo tempo que diversas outras nações do mundo seguem pelas mesmas águas. O fato é que isto cria uma dependência que vai além do comércio e desagua no mundo político. Este é um fato que precisa ser repensado pelo Brasil, sob risco de perder controle estratégico em pontos nevrálgicos de sua soberania.
Um exemplo claro tem sido o das frotas chinesas que avançam em águas internacionais e se aproximam perigosamente da costa de diversos países, entre eles o Brasil, para exercer uma questionável atividade pesqueira. Somente no último ano, estima-se que cerca de mil navios de bandeira chinesa ou pertencentes a empresas do país estiveram exercendo a pesca nas costas do Atlântico Sul, causando prejuízos enormes para a atividade local.
Sinodependência comercial brasileira já se tornou uma realidade, ao mesmo tempo que diversas outras nações do mundo seguem pelas mesmas águas.
Pequim tem uma necessidade enorme em abastecer seu mercado local, hoje de uma população de cerca de 1,4 bilhão. Para isso, importa alimentos do Brasil e de diversos outros países, mas precisa ir além, buscando métodos subsidiários de conseguir, especialmente em tempos de pandemia, suprir a demanda de seu imenso mercado local. As manobras navais em busca de alternativas têm sido um desses caminhos.
A prática internacional consiste em desabilitar o chamado “sistema de identificação automático”, que é o mecanismo que garante a segurança marítima. Desabilitado, a segurança é menor, porém as frotas passam a navegar de forma incógnita nas costas marítimas, o que facilita a pesca fora dos limites legais. A ação é uma clara violação das leis marítimas internacionais e acaba por afetar a soberania nacional.
Diversas nações vêm se mobilizando para evitar a violação das costas nacionais por navios estrangeiros, um movimento que prejudica de forma sensível um vetor importante da economia, que é a pesca. Em fevereiro deste ano, a Universidade Internacional da Flórida sediou uma conferência sobre pesca ilegal e desautorizada nas costas internacionais, apontando os impactos globais e regionais desta atividade ilícita, bem como seu combate internacional, que precisa ser reforçado.
Os impactos desta prática afetam a economia e vão muito além, atingindo o meio ambiente e também a segurança e soberania nacionais. Países como o Brasil, com uma imensa costa, precisam estar cientes de que a patrulha naval atual é incapaz de prevenir avanços sobre nossos mares e uma ação mais efetiva precisa ser tomada, sob pena de vermos nosso país assistir a suas riquezas e potencial econômico serem atacados por ações ilegais de países que, inclusive, são nossos parceiros comerciais.
Nesta semana foi divulgada pesquisa mostrando que o povo brasileiro não tem uma percepção boa sobre a China. Enquanto 44% dos brasileiros rejeitam o país asiático, somente 34% têm uma visão favorável. Isto mostra, em larga medida, a ausência de identificação nacional com o regime de Pequim, que, apesar de ser o maior parceiro comercial, ainda tem um enorme caminho para ganhar os corações e mentes dos brasileiros. Certamente a ação ilegal em nossos mares não favorece os chineses, que possuem dificuldade em lidar com sua imagem externa, especialmente diante de uma agenda unilateral e uma diplomacia impositiva, que agora avança também pelas costas de seus parceiros comerciais.
Márcio Coimbra é cientista político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (Espanha), presidente da Fundação Liberdade Econômica e ex-diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.