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Pesquisas falam a verdade?

Uma lição fundamental sobre pesquisas eleitorais: elas medem intenções de voto – e intenções mudam muito. (Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Assim como meu amigo analista de mercado diz aos investidores na bolsa de valores que “existem ações e ações”, sirvo-me desta advertência para dizer que “existem pesquisas e pesquisas”.

Com o vencimento do prazo da anualidade para mudanças nas regras eleitorais para 2022, já vivemos um acirramento de pré-candidaturas para o governo federal e estaduais, Congresso e Assembleias Legislativas, mesmo antes de as regras do jogo serem fixadas. Imprensa e redes sociais incendeiam os ânimos e as pesquisas parecem jogar gasolina na fogueira entre esquerda e direita, enquanto bombeiros buscam um intermesio.

Já tendo sido candidato (a vereador, prefeito, deputado estadual e federal), mas sempre eleitor em mais de 30 eleições, sem falsa modéstia, tenho uma boa experiência em vitórias e derrotas eleitorais, em ser oposição e situação.

Lembro-me que, até a década de 60, era comum os mais velhos dizerem: “urna de eleição, barriga de mulher e coice de mula, para saber o resultado, só depois de abrir a urna, nascer a criança e de qual perna veio o coice da mula”. A moderna medicina já sabe com precisão o que contém o ventre materno, o sexo da criança ou dos gêmeos, para feliz surpresa (ou não) dos pais. O dito popular caiu em desuso, restaram as pesquisas.

O avanço do conhecimento e planejamento humanos não dispensa uma sólida pesquisa de mercado para os novos empreendimentos ou a fundamental estatística populacional e migratória para as ações governamentais.

Imprensa e redes sociais incendeiam os ânimos e as pesquisas parecem jogar gasolina na fogueira entre esquerda e direita, enquanto bombeiros buscam um intermesio.

A nossa mutante Lei das Eleições (9.504/97) trata, a partir do seu artigo 34, a questão das pesquisas eleitorais e a obrigatoriedade de seu registro na Justiça Eleitoral para divulgação. Porém, na prática, isso não passa de mera formalidade, de vez que a tal metodologia cientifica sempre depende de um órgão técnico que pudesse comprovar sua eficácia e idoneidade antes da divulgação. Resta a desculpa da volatilidade do eleitorado.

Interessados contratam e fazem, à sua maneira, pesquisas particulares para acompanharem candidatos ou partidos, suas preferências ante o eleitorado e opinião pública, para uso interno e orientação sobre como dirigir sua propaganda.

Na última eleição presidencial de 2018, a esmagadora maioria das pesquisas, já às vésperas do primeiro turno, dava como certa a derrota do atual presidente num possível e previsto segundo turno, para quem quer que fosse enfrentá-lo; ao fim e ao cabo, deu no que deu.

A polêmica das pesquisas eleitorais, como a da urna eletrônica, tem ocupado e tomado mais tempo dos nossos congressistas, governantes e magistrados que outras e importantíssimas questões que acabam ficando à margem.

Todos dizem buscar um sistema eleitoral mais idôneo e confiável, mas nós não vemos pesquisas sobre a confiança do nosso eleitor no sistema eleitoral em si. Qual seria o porcentual de brasileiros capazes de distinguir o que seja voto proporcional ou distrital? Qual a credibilidade dos nossos partidos? Quantos eleitores sabem o que significa Federação Partidária?

Fica sem foco a primordial questão: o voto proporcional como causa maior da miscelânea da nossa vida política. Não se percebe que somos o único país a utilizar este sistema de votação. Os cientistas políticos (que estão aumentando a cada eleição) alegam de que este sistema gera o fortalecimento dos nossos partidos. A precariedade e instabilidade do nosso sistema partidário – que justificaria o voto proporcional – é uma falácia utilizada para manter os mesmos no poder, beneficiados pelos “campeões de votos”, os tiriricas da vida.

Pesquisas e “pesquisas” deixam a opinião pública desinformada, pois muitas não passam de meras fake news legalizadas, desde que previamente registradas na Justiça Eleitoral, eis que apenas após a abertura das urnas se consegue saber da sua veracidade e idoneidade. Que se saiba, no Brasil, ainda nenhum desses institutos foi punido por erro crasso dos seus resultados. Daí lembrar a sábia lição de Benjamin Disraeli: “Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis”.

Com o advento da internet, tais fake news, como verdadeira propaganda enganosa, induzem muitos eleitores a decidir seus votos. Nestes 60 anos participando de política, sou testemunha de muitas pessoas que vieram me contar terem sido entrevistadas por pesquisadores; muitas delas me confidenciaram ter propositadamente mentido aos pesquisadores, indicando partidos e candidatos em que jamais votariam. De qualquer forma, sempre ficamos sabendo que existem pesquisas e “pesquisas”, e somente a abertura da urna (eletrônica ou manual) dá o resultado.

Há três pesquisas que eu gostaria de ver. A primeira: qual a credibilidade que elas (as pesquisas) têm quando se trata de pesquisa eleitoral? A segunda: apenas entre o eleitorado de 16 a 18 anos, localizado nas periferias das grandes cidades, qual é o porcentual dos jovens que já foram assediados pelo crime organizado para serem laranjas ou mulas no transporte de drogas ou contrabando? A terceira: Sendo as mulheres brasileiras uma maioria de 7 milhões de eleitoras em relação aos homens, mesmo considerando que na realidade elas normalmente não conseguem ter mais de 30% na lista de candidatas (segundo a exigência do parágrafo 3.º do artigo 10.º da Lei das Eleições), por que elas não atingem a mesma proporcionalidade de mulheres eleitas que os homens?

Sempre sustentei, desde 2017, que o “voto raiva” derrotaria o lulopetismo pelas claras manifestações populares que se formaram sem lideranças políticas, mas pelo singular sentimento de justiça e indignação íntima que nos ensina o filósofo da vida Jean-Marie Guyau, que em Crítica da ideia de sanção nos adverte:

Em primeiro lugar, porque o homem é um ser essencialmente prático e ativo, que tende a tirar de tudo que vê uma regra de ação, e para quem a vida alheia é uma perpétua moral em forma de exemplo. Com o maravilhoso instinto social que o homem possui, ele logo sente que um crime impune é um elemento de destruição social, e um pressentimento de perigo: tal como um cidadão que, fechado em uma cidade sitiada, descobre uma brecha aberta. Em segundo lugar, o mau exemplo é como uma exortação pessoal ao mal murmurada em seu ouvido e contra a qual seus instintos mais elevados se revoltam. Tudo isso resulta no fato de que o bom senso popular faz sempre a sanção entrar na própria formula da lei e encare a recompensa ou castigo como motores.”

Em excelente artigo na Gazeta do Povo, J.R. Guzzo mostrou que a palavra “ódio” passou a ter sentido dúbio, ao assim dissertar:

Uma das coisas mais prodigiosas da vida política atual do Brasil é o significado dado à palavra ‘ódio’ pelos donos do grande mundo oficial – em particular o Supremo Tribunal Federal, no seu papel de manter o país seguro para o exercício da democracia. No resto do mundo, cinco continentes afora, ‘ódio’ quer dizer algo muito preciso, definido exatamente da mesma forma em centenas de dicionários diferentes; basicamente, trata-se da aversão, da raiva e da repulsa extremadas, um sentimento com caraterísticas comuns e que pode afetar, sem distinções, qualquer ser humano.”

Conclui Guzzo, comentando que:

“Vai ser considerado como mais uma contribuição ao debate democrático, assim, o acesso de furor que um militante de esquerda e que se apresenta como historiador acaba de fazer pelo YouTube – a rede social que está 24 horas por dia na mira do STF. Numa reunião do Sindicato da Construção Civil de Fortaleza o homem disse que os brasileiros precisam ‘odiar’ e ‘querer cuspir’ na ‘burguesia’, nos patrões e até, vejam só, nos ministros do STF. Uma das principais tarefas do militante político moderno e consciente, disse ele, é ‘estimular o ódio de classe’. A coisa vai por aí afora. No fim, declamou que sem o ódio não será possível falar de ‘revolução’ no Brasil. Como se vê, o orador caprichou: disse a palavra ‘ódio’ com todas as letras, de sua própria voz, três vezes, e só aí. No resto do planeta, obviamente, um negócio desses seria considerado discurso do ódio, como se diz na mídia e na vida política brasileiras. Aqui não é nada.”

Será, então, que vai prevalecer o “voto raiva” ou o “voto ódio”? Haverá o voto neutro, racional, sem raiva e ódio, numa terceira via?

Nilso Romeu Sguarezi é advogado e foi constituinte de 1988.

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