A tradicional onda de pesquisa que assola a fase de pré-campanha, na tentativa de antecipar as tendências do eleitorado e os prováveis eleitos, é de indispensável ajuda nas análises políticas, mas deve ser usada com redobradas cautelas, como flagrante do momento que não pode ser levado ao pé da letra, como sentença de magos que enxergam o futuro com a mesma nitidez que os olhos descortinam os contornos da paisagem e reconhecem as cores.
Nesta, mais do que nas anteriores, os índices dos institutos de boa reputação saltitam na dança frenética com dificuldade para acompanhar os passos e rodopios nos ensaios antes do baile começar,
Para início de conversa, há meses assistimos a singularidade da campanha do presidente-candidato que repete a cada dia que ainda não decidiu se disputará ou não a reeleição mas age, viaja, fala pelos cotovelos, discursa em todos os palanques, desfruta do privilégio de ética questionável de usar as facilidades do cargo sem gastar um níquel nos deslocamentos no luxo do AeroLula e sem constrangimento de colocar o governo a seu serviço.
Não convém desperdiçar espaço com a enjoativa lengalenga petista para justificar o maior escândalo de corrupção de todos os tempos, na dose dupla do mensalão e do caixa 2, de que apenas fazem o que o odioso adversário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, iniciou como pioneiro e o primeiro beneficiário da reeleição. E daí? O jogo de empurra não é o cobertor que agasalha as patifarias para a eternidade.
No momento, o presidente-candidato Lula é único em descarada campanha em tempo integral. E com inegável sucesso, conseguiu reverter os índices em queda para retomar o favoritismo. Êxito que aliviou as apreensões palacianas, cantado em prosa e verso pelos escabreados petistas, postos em quarentena em vexaminosa marginalização: Lula quer ser o dono da sua campanha para não reincidir nos erros de marqueteiros e manipuladores do valerioduto que despejou fortunas no caixa 2 e no mensalão, que pagou o passe de parlamentares transferidos para o buquê de legendas governistas. E sabe que é, sempre foi maior que o PT. A boiada que se aquiete na invernada.
Mas, sem trair a imparcialidade do código de ética do repórter político, o exame a frio das pesquisas estimula a análise cautelosa da lição dos números. Nas três últimas, seguindo o quadro enxuto publicado na edição de ontem do JB e para não perder tempo com azarões, vamos ficar na provável polarização entre o candidato oficial e a dupla da temporada das hesitações tucanas: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra.
Na pesquisa do Ibope, de 20 de janeiro, para o primeiro turno, Lula tem 41% contra Alckmin 18% e 35% contra 31% de Serra. Nos índices do Datafolha de 6 de fevereiro, Lula alcança 36% contra 20% de Alckmin e 33% contra 34% de Serra. Na mais recente , do JB-IBPS, de 12 deste mês, Lula chega aos 41,44% contra 26,39% de Alckmin e 42,31% contra 34,94% de José Serra.
Lula credencia-se para largar como favorito na campanha para valer na massificação do horário e propaganda em rede nacional de rádio e TVs, de 15 de agosto a 29 de setembro, para a rodada do primeiro turno a 1.° de outubro. Mas, sem calçar a vantagem em índices arrasadores, acima de 60%, 70%. Quando será o único candidato governista sob o fogo cruzado da penca de adversários, com discursos de diferentes enfoques na sinfonia crítica.
Munição é o que não falta no paiol das denúncias, como os escândalos, recordistas do arrasta-pé da corrupção; o pífio PIB de 2,3%, dos mais baixos do mundo; dos fracassos, omissões e calamidades administrativas; da degradação da rede rodoviária e a correria da operação tapa-buracos; a saúde das filas da miséria e dos hospitais em pandarecos; o MST nos desatinos das 422 invasões e a depredação criminosa do horto florestal e do centro de pesquisa da empresa Aracruz Celulose; o fracasso calamitoso da segurança; a ignomínia do sistema penitenciário superlotado, com revoltas em série; as brigas entre os ministros Antônio Palocci e Dilma Rousseff, expondo a acefalia da Presidência; a desagregação da base parlamentar e o desinteresse oficial pelas escabrosas cavilações do Congresso, com o apoio do PT às rejeições das cassações de mandatos dos deputados denunciados pelo Conselho de Ética pelo envolvimento nas falcatruas do caixa 2 e do mensalão.
A lista incompleta deixa de fora dezenas de outros exemplos. Basta para justificar a previsão transparente dos riscos da mais violenta campanha da temporada democrática iniciada com o fim da ditadura militar. Será Lula contra todo ou quase todos. Na veemência desabrida das acusações que não pouparão a família, com a inevitável mexida no milionário financiamento de Fábio da Silva, filho do presidente, na gastança do Palácio do Planalto, no excesso de viagens internacionais.
Algumas vítimas aguardam a vez na fila da execução. A experiência em causa própria da reeleição é cadáver à beira da cova. O pior Congresso de todos os tempos será varrido pela represada indignação do voto, com renovação de índice imprevisível. Mas, não promete grande coisa: a bancada do baixo clero pode crescer.
A reforma política moralizadora continuará esperando a sua hora. Como não consegue ser aprovada por consenso, acabará imposta na marra.