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No dia 18 de janeiro de 2024, a Gazeta do Povo publicou um artigo de nossa autoria iniciando o debate sobre o caso das prisões políticas no espírito Santo. Agora, a Polícia Federal apresentou os tão esperados relatórios das diligências, que demonstram não haver nenhuma prova, indício ou evidência que confirmem os “fatos” levados ao ministro Alexandre de Moraes pela procuradora geral de Justiça do MP-ES. A PF diz claramente que seus relatórios haveriam de confirmar ou infirmar a existência desses fatos. Após mais de 13 meses, ou seja, mais de 400 dias da operação no ES, a PF, ainda que tardiamente, acaba por desautorizar definitivamente a narrativa unilateral local.
E não foi qualquer “PF”: foi a chamada “Força Tarefa da Operação Lesa Pátria”, criada exclusivamente para apurar o evento do 8 de janeiro de 2023, um grupo especial paralelo que se tornou publicamente conhecido por ser uma “máquina de moer investigado”.
O procedimento já era nulo de pleno direito porque a lei federal reserva somente à Procuradoria Geral da República (PGR) a atribuição para atuar diretamente no STF. Houve usurpação de sua atribuição. Tanto que a PGR pediu por várias vezes o arquivamento imediato dos autos, diante da nulidade absoluta. O recurso do órgão dorme na gaveta de Moraes há mais de um ano, impedindo a análise colegiada de suas decisões monocráticas. O colegiado poderia ter evitado os abusos medievais, como 368 dias de prisão sem denúncia e sem oitiva.
Mesmo com todos os vícios de origem, o procedimento seguiu e a PF teve 13 meses para analisar computadores, celulares, pendrives, documentos físicos e outros materiais recolhidos na busca e apreensão do dia da operação. Para isso, valeu-se de equipamentos avançados de investigação.
O órgão também analisou as quebras de sigilos ordenadas pelo ministro, abrangendo os últimos 6 anos da vida dos alvos, desde 2017 até 2022. São milhares de dados telefônicos, telemáticos (nuvens, e-mails, fotos, vídeos e mensagens) e outros. Mesmo com esse abrangente e desarrazoado período de quebras de sigilos, que é uma clara “pesca probatória” (fishing expedition), nada foi achado na devassa. O STF, a propósito, sempre proibiu esse expediente e nunca autorizou uma quebra de sigilos de 6 anos em toda sua história.
Neste ponto, cumpre indagar: se havia uma organização extremista radical atuando para praticar atos antidemocráticos no ES, era esperado que as quebras de sigilo e o material apreendido na busca e apreensão confirmassem minimamente o modo de operação dos envolvidos e suas conexões. O conjunto da obra desafia a inteligência do homem médio.
Rememorando o alerta do ex-vice presidente Pedro Aleixo na época do AI-5, em 1969, o “guarda da esquina” aproveitou-se da oportunidade nacional para criminalizar pessoas no ES que denunciavam corrupção no governo estadual do PSB e omissão da procuradora capixaba desde 2019. Dentre os alvos, um jornalista com mais de 40 anos de atuação, que nunca sofreu acusação semelhante.
O fato é que nenhum dos alvos pisou nesse critério elástico dos atos antidemocráticos: não acamparam em quartéis, não fizeram manifestações em rodovias, não defenderam a volta da ditadura, não produziram violência, nem ataques ou qualquer agressão ao Estado Democrático de Direito, tampouco ao STF. Também não se relacionam em nada com 8 de janeiro, até porque alguns já estavam presos desde o dia 15 de dezembro de 2022. Apenas exerceram a liberdade de imprensa, de expressão, de opinião e de fiscalização dos negócios públicos.
Os relatórios da PF desmontam a narrativa das prisões políticas no ES e reforçam duas constatações: 1ª) a certeza de que atos antidemocráticos estão sendo praticados no ES com um discurso cínico de defesa da democracia, sendo esse estado um laboratório do enxerto de interesses locais e da luta política regional no ambiente de exceção nacional, fato que deveria ser motivo de avaliação correcional; e 2ª) a flagrante violação aos direitos humanos por parte da Procuradoria Estadual, autora de um procedimento comprovadamente medieval, que induziu a erro Alexandre de Moraes para silenciar o contraditório no ES, ocasionando ruptura institucional e retrocesso civilizatório em detrimento da liberdade de imprensa, de expressão e do devido processo legal.
Gabriel Quintão Coimbra é advogado.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos