A variação de -0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2009 expressa a rigorosa combinação de dois movimentos diametralmente opostos. O primeiro compreende a pronunciada recessão, acontecida no 1.º semestre do ano, reflexo da penetração da crise internacional no front doméstico, que atingiu de forma profunda os ramos mais articulados ao comércio externo, pela via perversa da diminuição da demanda, dos preços e do crédito.
A segunda corrente englobou a vigorosa recuperação verificada no 2.º semestre, consequência da melhoria, ainda que tímida, do comércio internacional, amparada na demanda por commodities por parte dos asiáticos, liderados pela China, e, sobretudo, da firme recomposição da procura interna, puxada pela elevação da massa de salários (emprego formal, rendimento real e valorização do salário mínimo) e de crédito. O montante de salários pagos e das operações de crédito com recursos livres para as pessoas físicas cresceu 3,3% e 15,5%, respectivamente, em 2009, já descontada a influência da inflação.
Lembre-se de que, entre setembro e outubro de 2008, a crise foi negligenciada ou tratada de forma equivocada pelo governo brasileiro, que se limitou a reduzir os depósitos compulsórios das instituições financeiras junto ao Banco Central (BC), sem a simultânea redução dos juros (a taxa selic foi majorada de 13% ao ano para 13,75% a.a.), e a vender dólares no mercado de câmbio, na tentativa de conter a depreciação do real.
Por isso a atividade econômica entrou em parafuso. O PIB recuou 1,9% nos seis primeiros meses do ano, se comparado ao mesmo período de 2008, influenciado pela indústria de transformação e da construção civil, que encolheram -12,3% e -9,5%, respectivamente. A queda de -0,2% para o ano foi determinada pela compressão das importações (-11,4%), das exportações (-10,3%) e dos investimentos (-7,7%).
Mas, desde dezembro de 2008, as providências para a neutralização da crise priorizaram a compensação da insuficiência de recursos financeiros externos por internos, com o avanço da participação das entidades públicas, a abertura de flancos de socorro a pequenos e médios bancos em dificuldades, e a renúncia fiscal do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), visando incentivar a desova de estoques de automóveis, eletrodomésticos de linha branca e materiais de construção.
O cerne da política monetária também encampou a diminuição da taxa selic de 13,75% a.a., em dezembro de 2008, para 8,75% a.a., em julho de 2009, repassada marginalmente aos juros finais para as linhas para consumo, giro e investimento fixo, e a ampliação dos prazos médios de financiamentos das compras de bens duráveis.
Por certo, o retardo no reconhecimento da instabilidade, e a deflagração de iniciativas localizadas para revertê-la, afetou o timing do alcance dos resultados. Mas a reação econômica pode ser confirmada pela expansão do PIB de 1,5% no 2.º semestre, frente a idêntico intervalo do ano antecedente, e 1,4%, 1,7% e 2,0%, no 2.º, 3.º e 4.º trimestre, respectivamente, contra os três meses imediatamente anteriores.
Não obstante os ventos favoráveis de 2010, maximizados pela deflagração do ciclo eleitoral, é oportuno compreender que a recuperação em curso é proveniente de causas conjunturais, transitórias e reversíveis, que podem sucumbir de maneira tão rápida como apareceram, em caso de não ativação de ações dirigidas à amenização ou mesmo à correção de alguns parâmetros de perturbação do equilíbrio instável do sistema.
Na órbita externa, ressaltam as inquietações quando aos rumos da economia mundial, que mal esboçava uma saída do fundo poço, e foi surpreendida pela ameaça de colapso financeiro na periferia da Europa. Nesse caso específico, Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha podem produzir, na macroeconomia mundial, disfunção semelhante à provocada pelo banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008.
Já no campo doméstico, sobressaem quatro ordens de barreiras nada desprezíveis. A primeira delas compreende os diferentes ímpetos entre a recuperação da renda e o acréscimo do consumo a prazo, a preços financeiros acima de qualquer parâmetro considerado civilizado e/ou compatível com os fluxos de caixa das famílias, que estariam presas à escolha entre o prosseguimento do endividamento no varejo e o financiamento imobiliário.
A segunda limitação interna equivale ao elevado custo do capital para giro e investimentos, em face da acentuada oligopolização do sistema financeiro no país e da expressiva participação do governo na disputa pelos recursos bancários para a rolagem do seu passivo de curto prazo.
A terceira adversidade engloba o substancial e crescente comprometimento dos recursos do orçamento público com dispêndios de custeio da máquina e encargos da dívida, enfraquecendo a capacidade de inversão do governo, sobretudo na desobstrução dos gargalos infraestruturais. Por fim, a quarta barreira abarca a absoluta ausência de interesse dos agentes políticos na preparação das bases para um projeto de desenvolvimento, particularmente na criação de margens para a discussão e aprovação das reformas estruturais.
Gilmar Mendes Lourenço, economista, é coordenador do curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário.
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