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O governo federal anunciou medidas de saúde pública no âmbito de um programa de planejamento familiar. As mais importantes são: a) aumento do número de vasectomias gratuitas nas unidades de saúde dos Estados; b) aumento da oferta de medicamentos anticoncepcionais nas farmácias populares; c) redução dos preços desses medicamentos, para facilitar o acesso às populações de baixa renda; d) aumento da remuneração aos médicos para cirurgias de vasectomia.

Bastaram essas poucas medidas para que discussões inflamadas se levantassem, a favor ou contra o programa. De início é preciso deixar claro que o governo federal está correto em tomar as medidas que tomou no âmbito da assistência pública à saúde da população. A razão principal que justifica a ação do governo é uma só: o Brasil consignou na sua Constituição Federal que somos uma sociedade cujo governo é laico, isto é, não dominado nem pautado por qualquer religião.

Algumas igrejas, sobretudo a católica, não aprovam programas públicos de planejamento familiar. Porém, o Estado brasileiro é um ente financiado com os recursos de toda a sociedade. Os tributos são pagos por católicos, budistas, islâmicos, evangélicos, espíritas, judeus, ateus, etc., e o governo não pode seguir as orientações de qualquer igreja ou crença. As religiões têm todo o direito de orientar seus rebanhos e dizer-lhes quais suas posições em relação a qualquer tema. Porém, elas não têm o direito de querer impor o seu ponto de vista ao conjunto de toda a população por meio das políticas de Estado.

Respeito e tolerância às posições de todas as religiões é um comportamento que deve ser observado pelo governo e pelas pessoas, com a condição de que as religiões não queiram pautar as políticas públicas por suas crenças e orientações. No caso específico em questão, o governo fez o que tem que fazer, ao colocar à disposição da sociedade as informações, as orientações e os meios necessários para que cada família decida livremente quantos filhos deseja ter e receba a assistência adequada. Há quem argumente que, ao elevar os honorários médicos para a cirurgia de vasectomia, o governo pode estimular o aumento dessa cirurgia. Esse argumento é pobre e equivale a dizer que as pessoas não são capazes de decidir por si mesmas, o que é uma visão preconceituosa sobre o grau de consciência das pessoas.

Há multidões de brasileiros com baixo nível de escolaridade e pouca consciência social e política, que necessitam da atenção dos programas educacionais públicos para melhorar sua capacidade de discernir. Porém, tem sido um erro sonegar à população as informações e os recursos das políticas públicas de saúde por acreditar que, em face de bolsões de pobreza e baixa escolaridade, as famílias possam ser conduzidas por profissionais interessados em ganhar um pouco mais. Se o governo adicionar alguns bons projetos de educação familiar às medidas já anunciadas, estará o Estado brasileiro cumprindo a sua responsabilidade social para com a questão da saúde em geral, livre e distante, como manda a Constituição, das injunções religiosas ou sectarismo de qualquer natureza.

De qualquer forma, um programa consistente de orientação para o planejamento familiar deve pautar-se em cinco pilares: a) alfabetização e educação; b) informação e orientação sobre saúde e planejamento de família; c) disponibilização dos meios no Sistema Único de Saúde; d) priorização da mulher como beneficiária das políticas específicas; e) melhoria da renda das classes mais pobres.

Ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, devem ser creditados os méritos de termos avançado na questão do planejamento familiar. Ele tem sido honesto e responsável ao lembrar que ao governo cabe aplicar o dinheiro que retira da sociedade, em forma de tributos, nas políticas sociais de interesse de toda a população, livre da interferência de qualquer grupo que, por suas crenças religiosas, queira que a sociedade siga seus preceitos.

José Pio Martins é professor de Economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo (UnicenP).

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