Leito em hospital de campanha para pacientes de Covid-19,| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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A Covid-19 atinge a todos e promove uma turbulência que reverbera nas esferas da saúde, social, econômica e jurídica. O termo pandemia se tornou uma palavra de uso cotidiano e a incerteza nos acompanha. Apesar das controvérsias nos mais variados campos, há razoável consenso de que o cenário é complexo e soluções improvisadas não dão conta dos problemas que estão postos.

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Em relação aos planos de saúde, as repercussões abarcam a dificuldade de pagamento, extinção do contrato por atraso nas mensalidades, reajustes e tratamentos. Nesse sentido, o Projeto de Lei 1.117/2020, em trâmite na Câmara dos Deputados, propõe a alteração da Lei dos Planos de Saúde para, “enquanto durarem os efeitos do estado de calamidade pública”, vedar o reajuste das mensalidades, bem como proibir o cancelamento de contratos por atrasos de até 90 dias.

O projeto de lei, em resumo, transfere integralmente às operadoras o impacto da Covid-19, sem avaliação de custos ou riscos. Em contraste com a importância do tema, o projeto não apresentou nenhum estudo técnico ou cálculo de impacto. Como se fosse possível resolver um problema dessa magnitude em um passe de mágica, a iniciativa legislativa não levou em conta o caixa das operadoras, nem o impacto da natural redução dos clientes na crise. Ignorou também a diversidade de porte das operadoras.

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Outra questão relevante está na má redação do artigo 15-B, que aqui transcrevo: “As empresas operadoras de planos de assistência à saúde ficam proibidas, pelo prazo de 90 dias, de procederem à suspensão ou rescisão unilateral dos contratos dos planos privados de assistência à saúde, em virtude do não pagamento das mensalidades pelos consumidores, enquanto durarem os efeitos do estado de calamidade pública”.

A truncada redação permite duas interpretações. Na primeira compreensão, a operadora estaria obrigada a manter as coberturas, mesmo sem receber por 90 dias. Esse prazo poderia ser invocado mesmo com o fim do distanciamento social, já que o critério da lei é “enquanto durarem os efeitos” do coronavírus, sem especificar quais. Deixa-se a operadora sem parâmetros, e sem receber. Uma segunda leitura, ainda mais preocupante, é no sentido de que as pessoas e empresas poderiam simplesmente não pagar o plano de saúde “enquanto durarem os efeitos do estado de calamidade pública”. Exemplifico: uma empresa que demore um ano para recuperar seu volume de vendas poderia ficar todo esse período sem pagar, já que os efeitos ainda estão presentes. Ambos os cenários são inviáveis.

Em qualquer das interpretações, o projeto autoriza a suspensão total do pagamento da mensalidade do plano, por ao menos 90 dias, sem prever nenhuma contraprestação ou garantia às operadoras; nem mesmo retirou-se do benefício os planos odontológicos, os quais sequer guardam relação com a Covid-19.

A finalidade do projeto de lei, “garantir a manutenção dos contratos de assistência privada à saúde”, é um desejo comum a todos. As soluções, contudo, não podem se resumir a criar uma enorme bola de neve de dívidas, que terminará por extinguir os contratos de plano de saúde, seja porque as pessoas não conseguirão pagar seus débitos, seja porque as operadoras deixarão de existir.

Gabriel Schulman, advogado e doutor em Direito, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.

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