O presidente dos EUA, Donald Trump, chegando à sala de imprensa da Casa Branca na quinta-feira (5) para pronunciamento.| Foto: Brendan Smialowski/AFP
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A eleição americana foi na realidade um plebiscito. Ao eleitorado americano, a pergunta foi: Trump fica, sim ou não? Se o democrata na disputa fosse outro, provavelmente o resultado teria sido o mesmo. As pessoas disseram “não” a Trump, no lugar de “sim”’a Biden. Embora identifique-me com o conservadorismo fiscal republicano, abomino o conservadorismo social (muitas vezes preconceituoso) republicano. Minha torcida foi para Biden. Por quê? A questão posta era simples: permanecer com ou tirar da presidência um homem inescrupuloso e perigoso para os Estados Unidos e, consequentemente, para o mundo – inclusive, claro, para o Brasil.

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Trump não é republicano na tradição do partido de Abraham Lincoln e de Ronald Reagan. É criador de uma seita chamada trumpismo, baseada no narcisismo à enésima potência, negacionismo e charlatanismo para colher benefícios pessoais. Trump é claramente um ditador que não aceita diferença de opinião em tema algum. Seus ídolos são Vladimir Putin, Xi Jinping e o lunático norte-coreano. Encontrou-se com todos eles para mostrar sua força e, após a prosa, não lhes poupou elogios, à exceção do segundo encontro com o bizarro coreano Kim Jong-un. A ótica psicanalítica do Trump é a seguinte: “these guys são meus heróis pois têm o controle absoluto dos respectivos países”. Depois, tratou de usar sua típica retórica para bombardeá-los e mostrar quão forte é ao seu eleitorado interno. A imagem de semideus é o que importa.

Não é por acaso que China e Rússia preferiam Trump, pois, com sua política isolacionista do America First, ele abriu espaço para que estes países, por razões distintas, tenham passado a ocupar mais espaço no cenário geopolítico e econômico internacional. Ou seja, russos e chineses queriam Trump não para aumentar laços comerciais, mas para ver os EUA mais isolados e enfraquecidos. Ele conseguiu uma nefasta façanha: dividir o país como nenhum outro presidente americano o fez desde a Guerra da Secessão, com o fim do regime escravocrata. Um dado interessante a constatar foi o de que Trump perdeu basicamente em todas as regiões metropolitanas das grandes cidades americanas, mas ganhou no interior rural. Aliás, perdeu também em estados tradicionalmente republicanos, a exemplo do Arizona.

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Biden terá inúmeros problemas, fruto da herança divisória alimentada (ou potencializada) pelo trumpismo para enfrentar os enormes desafios que se avizinham, bem como para frear o ímpeto mais à esquerda de integrantes da cúpula do Partido Democrata. Aos brasileiros que temem uma “onda comunista” no cenário mundial, lembremo-nos de que o eleitor democrata está nos estados do extremo oeste e nordeste americanos, onde também estão as grandes fortunas.

Biden é tido como um político pragmático. Não está dando a importância que nós, os brasileiros, contaminados pela dicotomia ideológica lulopetismo versus bolsonarismo, estamos enxergando.

Os defensores de Trump dizem que ele seria bom ao Brasil. Not so sure. Dentre outras atitudes suas, taxou o aço brasileiro e, quando Bolsonaro liberou a entrada de americanos (do país mais infectado do mundo) na tentativa de receber reciprocidade, o governo Trump não lhe deu a mínima. Aliás, não está nem aí para o Brasil. E como a grande fonte de divisas, e orgulho brasileiro, é o agrobusiness, prestigiar o Brasil bate de frente com o seu principal e fiel eleitor. Again, basta ver o mapa eleitoral.

Ainda sobre o Brasil, Biden defenderá o que é bom para os EUA – como faz qualquer presidente em relação a seu país – sem aquele ranço ideológico maniqueísta que muitos no Brasil não param de pregar. Mas sejamos realistas: independentemente de democrata ou republicano, o ocupante da Casa Branca sofre – e continuará sofrendo – pressão interna para defesa de seus interesses, aí incluída a contenção do invejável avanço brasileiro no agro mundial.

Um ponto sensível será, sim, o meio ambiente. Bolsonaro terá de ajustar sobretudo o seu discurso, e não é de surpreender se ministros como Ricardo Salles e Ernesto Araújo tenham dias difíceis. Respeitada sempre e obviamente a soberania brasileira, o primeiro precisa auxiliar Bolsonaro na serena e pragmática mensagem ao mundo; caso contrário, poderá afugentar investimentos estrangeiros. Já o segundo representa uma ideologia retrógrada: a de um chanceler que se encontra com o secretário de Estado americano no extremo Norte do Brasil para discutir a Venezuela.

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O Brasil precisa parar de pensar na Venezuela e em Cuba e ser pragmático. Vejamos a postura do premiê Benjamin Netanyahu: conseguiu vários avanços para a causa israelense no Oriente Médio com o amigo Trump e foi um dos primeiros líderes mundiais a parabenizar Biden. No cenário internacional, a relação precisa ser entre Estados. Aliás, uma das grandes marcas da diplomacia brasileira era o “pragmatismo responsável”. Era! Tenhamos esperança de que logo retorne. E, como se disse recentemente, “a esperança é a última que morre”.

Mauricio Gomm Ferreira dos Santos é advogado.