A Câmara dos Deputados está debatendo uma proposta de plebiscito sobre a união homossexual e, independentemente do resultado, caso vingue a ideia, a questão antecedente está na aparente inconstitucionalidade da proposta, pois uma atuação plebiscitária não poderia questionar uma cláusula pétrea – que, no caso em foco, consistiria no direito individual ao casamento civil.

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O STF reconheceu a constitucionalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Como a CF preconiza a facilitação da conversão da união estável em casamento, logo, o casamento civil, como vestimenta legal para a proteção de relações homoeróticas, seria decorrência lógica da conjunção dessas proposições. Foi a interpretação que prevaleceu no CNJ ao se editar a resolução cartorial que estabelece as regras formais para o casamento homoerótico. Interpretação pouco rica em seus fundamentos, porque ignora a teleologia social do casamento e sua relação com o bem comum. O modelo matrimonial de nossa tradição jurídica não tem a pretensão de dar proteção a simples ligações de amizade, tratos assistenciais, vínculos sexuais ou, na linguagem atual, laços afetivos. Vai além e excede em muito estas vivas realidades: busca efetivar um estilo de vida que assegure a estabilidade social e o recâmbio e a educação das gerações vindouras.

Nessa tarefa, é inevitável debruçar-se sobre o propósito do matrimônio: a equiparação da parceria homossexual à condição matrimonial não seria um privilégio? A manutenção do statu quo do matrimônio não seria uma discriminação para a parceria homossexual? As perguntas pertencem a um rol de argumentos de razões públicas. A despeito da resolução do CNJ, não parece que as eventuais proibições dos homossexuais em contrair matrimônio – e não falo da união estável – impliquem numa discriminação estrita ou mesmo numa negação de direitos.

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Quando o Direito distingue um vínculo, baseado numa complementariedade essencial e existencial voltada para a fecundidade e para o bem comum, de outro vínculo, assentado numa complementariedade que se resume à afetividade, ele deve dar a cada um o seu: ao primeiro, a condição de matrimônio; ao segundo, a de pacto civil, como, aliás, sucedeu por muito tempo em vários países europeus.

Ao dar a cada um o seu, o Direito faz justiça. Não segundo essa visão bem tosca transmitida pelo positivismo jurídico, correspondente ao fetichismo legal. Nem de acordo com essa noção sociológica em que o legislador reduz-se a um notário, uma espécie de chancelador normativo de qualquer fato social. Tampouco conforme essa visão igualitarista que pretende, utopicamente, anular toda diferença natural, fator de enriquecimento social recíproco. Mas segundo uma noção perene e sempre atual de justiça: a de que iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na exata proporção da desigualdade.

Discriminar é distinguir, e continuamente distinguimos. Isso é inevitável. Apenas é reprovável a discriminação arbitrária, aquela que carece de qualquer fundamento ontologicamente objetivo, da qual o "casamento" gay está fora, porquanto chamar cada coisa pelo devido nome é uma justa discriminação – nesse caso, semântica e jurídica. E, por isso, o plebiscito é constitucional, porque não fere qualquer direito da minoria homossexual, que pode se valer da união estável ou dos pactos civis.

André Gonçalves Fernandes, juiz de Direito, é professor do IICS-CEU Escola de Direito e coordenador do IFE Campinas.

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