Fachada da sede do Ministério Público Federal do Paraná, sede da força-tarefa da Lava Jato.| Foto: Albari Rosa/Arquivo Gazeta do Povo
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Em 1930, o astrônomo norte-americano Clyde Tombaugh descobriu o que seria considerado o nono planeta do Sistema Solar: Plutão. Diante de sua diminuta envergadura frente aos seus demais congêneres no sistema, Plutão ficou conhecido como o “planeta anão”.

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Composto primordialmente por rocha e gelo e com cinco luas orbitando ao seu redor, este pequeno planeta gozou durante longas décadas de prestígio e aceitação perante a comunidade científica, e assim o foi repassado para a sociedade. Os anos se passaram até que, em 24 de agosto de 2006, a União Astronômica Internacional(IAU) deliberou por revogar o status planetário de Plutão. Após intensos debates e elaboração de diversas resoluções tratando do assunto, decidiu-se pela exclusão do planeta anão do Sistema Solar.

Tais fatos, por certo, geram acentuada curiosidade nas gerações que cresceram com a compreensão da vizinhança de Plutão no Sistema Solar. No entanto, não se pretende nesse ensaio laborar qualquer questão técnica a respeito do tema, mas sim fazer um paralelo com os pulsantes fatos que envolvem a corrupção no Brasil e foram densificados nos últimos anos na denominada Operação Lava Jato.

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Deflagrada em março de 2014, a investigação apontou irregularidades perpetradas no âmbito da Petrobras envolvendo contratos de elevado valor com a orquestração de requintados esquemas para a sua realização. As investigações inicialmente ficaram sob a competência da Justiça Federal de Curitiba e, diante da extensão dos fatos com a participação de agentes públicos, empresários e doleiros, desdobrou-se em outras frentes de atuação nas forças-tarefas do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e São Paulo. Também foram instaurados inquéritos criminais no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça para apurar fatos atribuídos a pessoas com prerrogativa de função. Conforme restou amplamente noticiado, os fatos apurados na Operação Lava Jato atingiram autoridades públicas integrantes do alto escalão do governo federal, do Congresso Nacional e de outros importantes centros decisórios e econômicos do país.

Os anos se passaram e diversas condenações foram proferidas com subsequentes confirmações pelas instâncias judiciárias revisoras, tendo por considerável resultado a recuperação de montante pecuniário que alçou patamar bilionário. Em um país infelizmente acostumado com uma cotidiana malversação dos recursos públicos e contínua impunidade, tais fatos, por certo, trouxeram para muitos inspiração e esperança de que as coisas poderiam ser diferentes. Uma centelha de esperança surgiu por um país melhor, em que seria possível superar o lamento da vergonha de ser honesto tão bem retratado por Rui Barbosa.

Recentemente, no entanto, tal qual ocorreu com o planeta anão, eclodiram novas “classificações”, conjunturas diversas, argumentos e teses visando revogar o status da operação e relegá-la à condição de pária jurídico. Após inúmeras condenações – muitas, inclusive, confirmadas nas instâncias superiores por unanimidade –, tem-se observado um movimento de assoreamento do fluxo que vinha se imprimindo mediante pequenas mudanças que poderão acabar tendo como resultado final a exaustão deste rio. Trata-se de mudanças sutis, as quais paulatinamente vão sendo introduzidas e cada vez mais obstaculizam o andamento das ações e investigações. Além de mudanças jurídicas propriamente ditas, o foco se desloca dos fatos, e os autores da investigação passam a ser objeto de análise.

Neste ponto, revela-se importante ressalvar que procurar adentrar nos meandros da investigação e os seus aspectos técnicos pressupõe o exame das milhares de páginas das inúmeras ações penais que foram ajuizadas, extratos financeiros, contábeis, depoimentos testemunhais, sentenças, apelações etc. Opinar, sob qualquer ângulo que seja, sob a investigação é tarefa que requer aprofundado estudo e conhecimento da causa e não se açodar em informações precipitadas, frutos de paixões, preconcepções e alheias a uma ínfima informação concreta dos fatos (a operação teve mais de 80 fases). Em tempos de grande difusão de fake news, não se pode substituir um estudo aprofundado e dispendioso de tantas informações por meros factoides gerados por mensagens de celular, desprovidos de qualquer conteúdo fidedigno.

Presente esse contexto, não se busca eleger aqueles que investigam tais ilícitos como salvadores da pátria ou irrepreensíveis. O ponto reside, e não se confunda ou desvirtue, no fato de que, de modo inopino e individualizado, todo um sistema tem sido relegado. O Direito é uma construção retórica. Como tudo que foi construído, pode ser descontruído. Ao se dizer isso, não se está propondo um relativismo dos fatos, mas sim lembrar que é possível manipular e distorcer qualquer realidade, ainda que sob o manto da aparente legalidade. Pondere-se, por relevante, que tal processo de desidratação do combate à corrupção não é exclusivo da Lava Jato. Em todas as esferas, do alto escalão do governo federal aos recônditos de municípios brasileiros, há uma constante busca por desacreditar as investigações que buscam suprimir esse mal que aflige a ilha de Vera Cruz desde a sua gênese.

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Plutão foi relegado do Sistema Solar para o Cinturão de Kuiper. A Lava Jato tem sido casuisticamente expelida do ordenamento pátrio, sofrendo censuras que ignoram todos os esforços e benefícios que trouxe para a sociedade. Talvez poder-se-ia comparar o combate à corrupção com um planeta “anão” diante das gigantes forças que se contrapõem. Contudo, nesse ponto, vale lembrar que a consciência dos justos não é algo que se pode apagar. Ela, em uma marcha conjunta, é pujante e libertadora. O processo de aviltamento do bem é constante e cíclico, porém compete àqueles que anseiam por uma sociedade justa perseverarem.

Em tempos de escravidão, Joaquim Nabuco deixou importante lição, a qual vale para inspirar e prosseguir pela construção de uma sociedade lastreada no primado da justiça: “Os tiranos algemam... corrompem, dominam. Estragam – não destroem, porque a consciência dos direitos e dos deveres pode encobrir-se na alma dos povos – como o sol por detrás das nuvens, mas não pode apagar-se porque é eterna como esplendor desse sol. Pode encerrar a tábua – como na imagem de Platão –, não podem apagar-lhe os caracteres que hão de reviver. O povo há de ser sempre livre... O cativeiro é um eclipse... e o domínio da sombra que é instantâneo, porque só é eterno o domínio da luz”.

A sociedade passa por um tempo de reflexão e reconstrução. Não se pode propagar uma histeria coletiva e esquecer dos importantes avanços que foram alcançados com o saneamento de vultosas irregularidades que estavam sendo perpetradas em empresas estatais e em diversos âmbitos dos setores público e privado. A Lava Jato galgou muitas conquistas que não se limitam a determinados midiáticos réus. Existem incontáveis irregularidades na administração pública federal, estadual e municipal que urgem ser refreadas. O combate à corrupção não pode ser denegrido a ponto de ser transformado em uma expressão irônica, mas sim deve ser aprimorado, prestigiado, corrigido onde precisa ser corrigido e, sobretudo, valorizado. Ainda que o desloquem para outra “galáxia”, a sua existência será perene e um ponto de referência para a construção de um sistema equilibrado e justo para todos.

Fernando Procópio Palazzo é advogado e especialista em Direito Penal e Criminologia.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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