Estou me referindo ao Estado brasileiro e à Constituição de 1988, recheada de cláusulas pétreas e minuciosas normas para reger a impossível vida de uma nação pobre, constitucionalmente metida a besta. O sujeito de poucos recursos que julga ser rico – e se conduz como se fosse – em pouco tempo levará seu barco ao fundo da mais negra miséria. Uma nação, também.
Nossa Carta é um desastre. Os constituintes quiseram criar um Estado de bem-estar social por força de lei, atribuindo deveres ao setor público e levando a débito das atividades privadas de produção e consumo o custeio das despesas que fossem surgindo. O prejuízo já vai à conta da próxima geração!
Enquanto se delineava a Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães, algumas pessoas mais sensatas apontavam seus principais defeitos: normas em excesso, direitos individuais e sociais em demasia, sobrecarga de atribuições ao Estado. Relatores e redatores alegavam, em contraposição, que a Constituição viria para balizar o rumo por onde o país iria andar no futuro. Foi o que realmente aconteceu – só que o caminho regrado pela Constituição foi desastroso.
Hoje, visivelmente, governar é emendar a Constituição
Todas aquelas boas intenções que deveriam “sinalizar o Brasil do futuro” se converteram em direito exigível no tempo presente, imediatamente resgatável mediante petição ao juiz da comarca, ali no prédio do Foro, na esquina da praça. Estava tudo na Constituição, não estava?
Hoje, visivelmente, governar é emendar a Constituição. União e estados estão sempre às voltas com a contagem de votos nas bases parlamentares de apoio de seus governos para emendar constituições. É uma demanda da vida real, que agrava a dificuldade de os governos comporem suas bases de apoio. O que normalmente seria obtido com metade mais um se eleva para os três quintos sem os quais a Constituição é “imexível”, como o ex-ministro Magri disse ser o Plano Collor de 1990. Nossos constituintes de 1988 tinham certeza de haver realizado a obra-prima do moderno constitucionalismo...
Nos longos anos de petismo, o Brasil pobre se tornou ainda mais metido a besta. Quis a Copa, as obras da Copa, e foi fazendo muito mais estádios do que necessário. Enterrou bilhões (do dinheiro de todos) no Rio de Janeiro dos Jogos Olímpicos. E jogou muitos outros bilhões de dinheiro bom em empresas trambiqueiras e governos ainda mais trambiqueiros para alimentar a corrupção no Brasil e no bas fond internacional.
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Pode ser rico um país com 210 milhões de habitantes que gera um PIB de apenas US$ 2 trilhões? Rico com um PIB per capita de US$ 11 mil no ano passado, valor que nos coloca na lista do FMI entre o Cazaquistão e a Guiné Equatorial? Rico com um PIB pouco superior ao do Canadá, que tem uma população seis vezes menor? Pode ser rico um país cuja economia produz apenas 30% mais do que a cidade de Tóquio? Pode ser rico um país que amanhece, a cada dia, com o déficit fiscal do ano ampliado em R$ 156 milhões?
Claro que não é só a Constituição a travar o desenvolvimento econômico do Brasil. Há um amplo conjunto de fatores que se foram habilmente articulando para produzir o mesmo efeito. Instituições irracionalmente concebidas, contraditórias, geram crises, insegurança jurídica e instabilidade política. A atração dos ditos “progressistas” por tudo que possa ser ideologicamente aparelhado e atrasado dá causa a graves danos educacionais, culturais, científicos e tecnológicos.
É pouco provável que o Estado brasileiro deixe de ser metido a besta. O atraso cultural, afinal, dá força ao populismo que vive em união estável com o corporativismo. Então, que trate de prestar atenção a Paulo Guedes e comece a fazer o que se exige de um país que pretenda ser rico e sentar-se entre os grandes.
Percival Puggina, arquiteto, empresário e escritor, é autor de "Crônicas contra o totalitarismo", "Cuba, a tragédia da utopia", "Pombas e gaviões" e "A tomada do Brasil".