Promover agressivamente o esporte faz todo o sentido pa­­ra os grandes players do mercado esportivo e nesse as­­pecto as copas são um fenômeno mercadológico

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Acho que não entendi bem, porque é difícil mesmo de acreditar: para que a África do Sul sediasse a Copa do Mundo, a Fifa exigiu que a legislação penal e de processo penal do país fossem alteradas, com a criação de tribunais sumários e aumento do rigor das penas: um fulano furtou um celular e já foi condenado a cinco anos de cadeia, outros dois assaltaram um turista e pegaram 15 anos de cana após um processo sumaríssimo. Duas turistas que estavam vestidas com roupas das cores da cervejaria que é concorrente da patrocinadora oficial da Copa também foram processadas até que as cervejarias fizessem um acordo. Nos dias de jogos, o comércio no raio de um quilômetro dos estádios tem de fechar para não competir com os que foram licenciados pela Fifa.

Em alguns casos, o policiamento dessas regras tomou ares caricatos: companhias aéreas são proibidas até de anunciar que fazem voos para os locais das competições, porque existe um Transportador Oficial que detém o monopólio dessa informação. Uma das empresas prejudicadas reagiu, se autointitulando espertamente a "Empresa Aérea Não-Transportadora Oficial da Copa". Advogados carrancudos da Fifa correram para proibir a burla; a empresa, então, passou a se anunciar como aquela que "leva você para você sabe onde, para assistir aquilo que você sabe o quê..." Nó na cabeça dos advogados...

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Como a Copa de 2014 será aqui, é bom começar a pensar nesses absurdos e a ler com atenção a lista de compromissos que o Brasil já firmou para sediá-la. Submeter-se a exigências absurdas de obras e adaptações caríssimas para abrigar as partidas da Copa já é um absurdo. Mais absurdo ainda é subordinar a ordem jurídica do país aos apetites financeiros da Fifa.

Cada vez que digo isso, vem o coro das Polyanas me lembrar que o turismo cresce muito por causa da Copa do Mundo, como se sediar uma fosse indispensável para se transformar em potência turística. França, Alemanha, Japão, Coreia e Estados Unidos não tiveram acréscimos dramáticos de visitantes depois de sediar copas do mundo, o que desmente as teorias otimistas, enquanto que países e regiões que nunca sediaram uma copa se transformaram em grandes sucessos turísticos, no Caribe, em Chipre, Malta e no Mediterrâneo oriental.

Promover agressivamente o esporte faz todo o sentido para os grandes players do mercado esportivo e nesse aspecto as copas são um fenômeno mercadológico: 1,5 bilhão de pessoas está sendo martelado durante três semanas pelas logos e a publicidade dos patrocinadores, discutem apaixonadamente se a bola preferida da Fifa é ou não é mais leve do que as tradicionais, fanáticos correm em hordas às lojas para comprar as últimas camisas oficiais ou as chuteiras dos craques. Até aí, tudo bem, pois afinal o que é do gosto regala o peito, como diria minha sábia e bahiana avó, Dona Góia. Mas não há o menor sentido em submeter o restante da sociedade a ter sua vida alterada e seus direitos diminuídos para viabilizar a megapromoção comercial do futebol. Ir mais além é decretar definitivamente o domínio do mercado sobre a totalidade da vida social, como temia Guerreiro Ramos.

Aliás, não sei se esse domínio já não está definitivamente consolidado. Antigamente, os especialistas em sociologia esportiva atribuíam o sucesso do futebol entre nós à simplicidade do equipamento necessário para praticá-lo: uma bola de couro, um par de tênis ou chuteiras velhas e quando muito uma camiseta desbotada para um dos times (o outro joga sem camisa) e os futuros craques estavam prontos para o jogo. Agora não mais: mesmo o mais notório perna de pau acha que necessita de uma camisa de um tecido que ajuda a evaporar a transpiração, caneleiras e proteções de plástico utilizado nos coletes à prova de bala, chuteiras e tênis com computadores para marcar a precisão das passadas para jogar uma pelada de fim de semana.

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Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.