Ouça este conteúdo
Quem viveu nos anos 90 deve se lembrar de um livro chamado Quem mexeu no meu queijo?, de Spencer Johnson, um best-seller na época com novas edições até hoje. Nada parece mais atual que o conteúdo deste livro para descrever o que tem acontecido com a Organização Mundial do Comércio (OMC), entidade da ONU que regulamenta o comércio internacional nas últimas décadas.
Durante décadas, profissionais renomados de todos os países membros negociaram regras e acordos que permitiram avanços sem precedentes nas transações internacionais de compra e venda de produtos. Regras estas que trouxeram ao mundo uma competição mais equilibrada, quando não igualitária, entre países de primeira linha, emergentes e em desenvolvimento. Redução de tarifas, queda de subsídios e redução de taxas são alguns exemplos, sempre monitorados e sacramentados por uma banca julgadora dos direitos e deveres de cada nação.
Acontece que nos últimos anos o mundo ficou mais arisco. O livre comércio já não está tão livre assim. Fronteiras se fecharam, novos blocos foram formados e uma onda de negociações “caso a caso” tem surgido e ficado. Megapotências a determinar suas próprias regras para impor a outros países compras preferenciais sob pena de taxação extra. Joga-se no lixo um trabalho de décadas, ao melhor estilo “só lhe vendo este refrigerante líder se você também comprar esta cerveja ruim da minha marca”. O problema reside quando se precisa do dito “refrigerante”.
Mais do que um acordo de cavalheiros aqui e outro acolá, os maus exemplos se propagam por todos os lados, e até pequenos países entendem que têm o mesmo direito de tentar apagar a OMC do mapa. Todos perdem com este “salve-se quem puder”. O que se vê hoje é uma OMC muito enfraquecida para fazer frente às iniciativas isoladas.
E quais os impactos diretos e indiretos para o Brasil? Inúmeros. A começar pelo setor que representa 23% do PIB e emprega um terço da população economicamente ativa, responsável pelo equilíbrio positivo da balança comercial e talvez o último motor ainda em funcionamento, de fato, nesta economia: o agronegócio. Acordos isolados como a assinatura da primeira fase do acordo entre Estados Unidos e China, as chantagens da União Europeia, utilizando-se de falácias sobre o meio ambiente para proteger seus produtores altamente subsidiados, sem dar seguimento ao acordo bilateral com o Brasil, além de outros inúmeros acordos entre senhores, à luz do dia, sem a OMC.
O mundo descobriu que o agronegócio é mais negócio do que agro, pois o Brasil passou a incomodar de fato e os grandes começaram a perder a histórica liderança e muito dinheiro. Daqui para a frente, não haverá país que nadará de braçada, isolado, para alimentar a humanidade. Não existe a história de “celeiro do mundo”. A corrida pelo domínio do alimento do futuro será maior que a corrida armamentista vista nos anos 80 entre Ocidente e Oriente. A guerra pela participação de mercado na venda de grãos para serem transformados em proteínas será eterna daqui para a frente.
Quem não estiver preparado para as inúmeras batalhas que surgirão daqui em diante e continuar a procurar o queijo de Spender Johnson no mesmo lugar de sempre poderá se surpreender com um vazio de dimensões incontroláveis e inimagináveis em um futuro não tão distante. Mudaram o queijo de lugar, para quem quiser enxergar, mesmo com tudo que o nosso agronegócio oferece de tecnologia, área de expansão e clima favorável. A guerra agora é totalmente comercial. Brasil, já passou da hora de proteger o que é seu e parar de entrar em conversa para boi dormir. Aliás, boi é o que não falta por aqui.
Eduardo Müller Saboia, engenheiro industrial mecânico, pós-graduado em Gestão Industrial e Business Management e mestre em Administração Estratégica, é professor de pós-graduação de Agricultura 4.0 na UFPR e head de uma empresa de treinamento e consultoria em agronegócio.